Por Sierra
Fila para posar para o registro fotográfico |
Depois da disseminação
massiva das garças, dos anões, das Branca de Neve e das cópias do Cristo Redentor
enfeitando jardins de casas e fachadas de imóveis os mais diversos, o exemplo
máximo de mau gosto do mau gosto da vez são os letrões acompanhados de um
coração formando uma frase de declaração de amor ao lugar onde o letreiro é
montado.
Não faço a mínima ideia de
quem seja o criador de mais esse cisto urbano que além de ser de muitíssimo mau
gosto, é de uma tremenda poluição visual. Sem falar que ele é colocado em
espaços que às vezes atrapalham o fluxo das pessoas.
Virou uma febre. E como
neste país o que não presta é logo copiado e replicado em ritmo de pandemia, os
tais letreiros podem ser encontrados numa infinidade de cidades, sobretudo nas
que possuem atrativos turísticos. Às vezes eu paro e fico olhando a
movimentação das pessoas para se fotografarem e/ou ser fotografadas junto aos letreiros
que, claro, se transformaram eles mesmos
em atrações turísticas – eu próprio já me deixei ser flagrado ao lado de um
deles.
O que eu considero mais
gozado nesse apego, nesse indisfarçável amor que uns e outros fazem tanta
questão de guardar em fotografias dos lugares que visitam é que, geralmente,
não muito distante da tão procurada e fotografada declaração amorosa, encontremos
demonstrações as mais lamentáveis que um amor desses é capaz de fazer nas tais
cidades que exibem letreiros dessa natureza.
Não é preciso nem se afastar
muito do letreiro de “declaração de amor” para encontrar lixo jogado aqui e
ali; ocupação indevida do espaço público; estacionamento de veículos em lugares
proibidos; furto de energia elétrica pelo comércio ambulante; obstrução de
calçadas impedindo a passagem de pedestres, obrigando-os a disputar espaço com
os carros nas pistas; circulação de automóveis em ciclovias e ciclofaixas; etc.
Sem dúvida que todas essas
práticas e malfeitorias são decorrentes de nossa falta de educação e de nosso
pouco apreço para com o espaço público e as regras de civilidade. Entra também
nesse rol o desprezo a quase tudo que diga respeito ao bem comum; estamos quase
sempre a pensar e a agir como se apenas as nossas necessidades individuais
fossem importantes e, por isso, não consideramos, propositalmente, que muitas
de nossas ações prejudicam direta ou indiretamente outras pessoas e de alguma
forma colaboram para que o convívio social no meio no qual estamos inseridos
seja não raro marcado por insatisfações coletivas.
Normalmente reclamamos que
as ruas estão sujas, como se essa sujeira brotasse do nada, espontaneamente. Decerto
que cabe às Prefeituras Municipais manter um serviço de coleta de lixo e de
limpeza dos logradouros públicos. Mas, porque existe um serviço dessa natureza
devemos nos comportar como porcalhões, jogando objetos e entulhos em tudo
quanto é canto pensando que daí a pouco alguém irá aparecer para limpar o
local? E o lixo que entope bueiros e canais? E o lixo que provoca o
deslizamento de barreiras e a poluição de lagoas, rios e mares? Quantos de nós
já não flagrou alguém descartando detritos pelo chão estando a pessoa a poucos
metros de uma lixeira, por exemplo?
Os letreiros de “eu amo tal lugar”, que tanto sucesso fazem, deveriam ser ampliados com frases do tipo: “Eu amo tal lugar e, por isso, não jogo lixo no chão”; ou “Eu amo tal lugar e, por isso, respeito o pedestre”; ou ainda "Eu amo tal lugar e, por isso, não depredo o seu patrimônio histórico". Quem sabe assim os indivíduos que infringem as normas do bem viver coletivamente começassem a refletir que tão importante quanto o bom sentimento de pertencimento e/ou de admiração para com este ou aquele lugar, são as práticas e atitudes que cotidianamente tratam de cuidar dele e de preservá-lo.
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