27 de novembro de 2021

Outra vez a Praça Antônio Vitalino

 Por Sierra

Fotos: Arquivo do Autor
Entrada principal da Praça Antônio Vitalino: a histórica praça de Abreu e Lima, que já abrigou uma das maiores e mais concorridas feiras livres da Região Metropolitana do Recife, é hoje motivo de uma grande controvérsia entre parte da população abreulimense que não se conforma com o fato de a feira ter sido removida dali para que o local fosse convertido em um amplo estacionamento

                                   


Pondo ordem no caos: será?

Na tarde da última segunda-feira, quando saí do trabalho, eu fui até o centro comercial de Abreu e Lima para comprar mantimentos num supermercado. Qual não foi o meu espanto ao verificar que os vendedores ambulantes que havia anos ocupavam parte da Praça Antônio Vitalino e também da Av. Duque de Caxias tinham sido removidos de lá . Na ação de remoção, promovida pela Prefeitura Municipal, foram retirados igualmente dali as tendas que alguns comerciantes de lojas montavam defronte aos seus estabelecimentos, o que era um dos absurdos que reinavam ali, e o ponto de mototáxi.


        
Na segunda-feira os espaços das calçadas desse trecho da Avenida Duque de Caxias estavam livres dos vendedores ambulantes

                                  


                                   


Andei pela Praça Antônio Vitalino e num ponto e noutro encontrei vendedores resistentes comercializando produtos como frutas, verduras e legumes em carros de mão, como uma vendedora de feijão verde debulhado que, chorosa, relatava para um seu conhecido a ação de remoção dos que ocupavam desordenadamente aquele espaço. Eu a tudo ouvi antes de conversar com uma senhora à qual comprei manuês e aproveitei para lhe indagar sobre o que ocorrera. "Meu filho, quando eu cheguei tudo já estava assim, desocupado. Veja a situação dessa mulher - falou apontando para a vendedora de feijão verde -; desde cedo que ela chora porque o pessoal foi tirado daqui", ela me disse.


                                 


Andando por ali eu abordei um apoio de loja, que é como chamam os indivíduos que fazem as vezes de seguranças de estabelecimentos comerciais. Perguntei-lhe como se dera o processo de remoção dos vendedores ambulantes. Segundo o seu relato, eles foram avisados na sexta-feira por funcionários da Municipalidade do que iria ocorrer; e no sábado houve a remoção. Expressando certo desapontamento com o episódio, ele comentou enquanto mirávamos o amplo espaço ocupado por dezenas de carros: "Olha só o que fizeram. Agora só tem estacionamento. Quando tinha a feira era tão bom. Mas eles acabaram com tudo. Aqui é onde tem o comércio. Quem é que vai pr'aquele fim de mundo?" - ele disse isso se referindo à feira livre e ao Mercado Público que anos atrás a Municipalidade instalou no bairro de Timbó. E completou dizendo: "Acabaram com tudo, até com o Mercado Público que tinha aqui e que era histórico". Ouvi isso do rapaz e fiquei até surpreso, porque, durante todos esses anos em que eu acompanho as transformações pelas quais a Praça Antônio Vitalino vem passando, nunca antes pessoas com as quais troquei impressões sobre o local tocaram na questão da memória urbana e ainda mais com a ênfase dada pelo apoiador de loja.

                                    

                                      


Um dia depois da primeira visita, eu voltei à Praça Antônio Vitalino. Na quarta-feira minha ida até lá foi motivada novamente pela necessidade de ir a um supermercado e porque eu queria fazer uns registros fotográficos da área. E aproveitei a oportunidade para ouvir mais depoimentos sobre o que se passara ali quando da remoção dos vendedores ambulantes - observei naquele dia que já havia um ajuntamento maior deles no local.



                             


O primeiro cidadão que eu abordei foi um jovem gari que estava a desempenhar o seu admirável labor. Ele me falou que, ainda na sexta-feira, dia 19 de novembro, funcionários da Prefeitura Municipal distribuíram panfletos ente os vendedores ambulantes - e creio que tais funcionários também advertiram os donos dos estabelecimentos que mantinham tendas armadas defrontes aos seus pontos comerciais - informando da ação de remoção de bancos de madeira e de outros apetrechos, bem como das mercadorias por eles comercializadas, na noite do dia seguinte; ação essa que, segundo ele, se prolongou até a manhã da segunda-feira.


                              


Quando me sentei na Praça São José, que tem uma de suas faces voltada para a Av. Duque de Caxias e que dista a cerca de 300 m da Praça Antônio Vitalino, eu indaguei um senhor que estava ao meu lado sobre a questão do que se passara com os vendedores ambulantes e do desordenamento que vinha reinando na praça e em parte das margens da avenida. Sem esconder sua indignação pelo modo como a remoção dos vendedores ocorreu, Alcides Luiz, 69 anos, aposentado que conheceu e frequentou tanto a feira livre como o Mercado Público que ocupavam a Praça Antônio Vitalino, me disse o seguinte: "Tava desorganizado. Mas, como é que o pessoal vai viver, né, rapaz? Foi errado. O pessoal ganhava o pão de cada dia ali. Ontem tavam tudo na delegacia prestando queixa lá. Prenderam as mercadorias deles tudinho. Errado. Pode não". Saudoso dos tempos em que a feira livre acontecia naquela praça, ele completou: "Aquela feira lá em Timbó é muito longe. Bom mesmo era quando acontecia aqui no centro da cidade".


                                


Ontem, pela terceira vez somente nesta semana, eu fui ver a avenida e a praça. Desta feita eu não abordei ninguém; num ponto defronte a uma farmácia eu ouvi três indivíduos lançando impropérios contra a administração municipal por causa da ocupação da Praça Antônio Vitalino por carros e pela aglomeração de vendedores ambulantes que já podia ser vista ali. Isso mesmo. No lado direito da entrada principal da Praça Antônio Vitalino e noutros pontos - e eu não sei se com permissão da Municipalidade -, vários vendedores ambulantes voltaram a fazer uma espécie de corredor no local, como que dizendo que não estavam nem aí para as determinações das autoridades municipais. Já na Av. Duque de Caxias eu flagrei dois infratores: um fiteiro ambulante parado entre a calçada e a autopista; e um carro estacionado defronte a uma loja de roupas comercializando banana e outros produtos.


                                 


Ainda ontem eu entrei num supermercado localizado naquela avenida e ouvi um senhor visivelmente irritado e inconformado dizer assim para um seu conhecido: "Sabe pra que tiraram o pessoal da praça? Pra fazer Zona Azul. Eles querem é ganhar mais dinheiro. A gente que se lasque".


                                      


Pelo que eu tenho visto e acompanhado ao longo dos anos, o caso da Praça Antônio Vitalino vai continuar marcado pela insolubilidade e por um permanente sentimento de insatisfação no seio de parte da população de Abreu e Lima que nunca se conformou com a transferência da feira livre para o bairro de Timbó e que repudia veementemente o fato de a praça ter sido transformada num estacionamento.




Esta foto e as seguintes foram feitas ontem. Nesta pode-se ver um carro estacionado comercializando produtos




Na entrada principal da Praça Antônio Vitalino vendedores ambulantes já estavam de volta aos locais que ocupavam antes da remoção



Neste ponto também o comércio de vendedores ambulantes corria à solta



À direita pode ser visto um fiteiro móvel parado defronte a uma loja




Feiras livres itinerantes


Nas viagens que fiz à cidade de São Luís, no Maranhão, eu não abri mão de ir conhecer pelo menos uma de suas feiras livres. Ao visitar a que é montada no bairro Praia Grande eu fui informado que a Prefeitura Municipal da capital maranhense mantém, há anos, um interessante circuito de feiras livres itinerantes, algo que, segundo um amigo que mora no Rio de Janeiro, também existe na capital fluminense. O conceito de feiras livres itinerantes a mim me pareceu uma ideia muito bem pensada, principalmente quando se considera que elas podem percorrer vários bairros ao longo da semana, o que é muito bom, porque as pessoas podem fazer suas compras nas localidades onde moram. Em São Luís o sistema funciona da seguinte maneira: a Municipalidade se encarrega do transporte e da montagem dos bancos dos feirantes para realizar as feiras livres que  percorrem diferentes bairros da cidade durante toda a semana. Assim, existe uma espécie de calendário; e os consumidores ficam sabendo em quais lugares e em quais dias as feiras estão sendo montadas.

Não seria o caso de a Prefeitura Municipal de Abreu e Lima testar o sistema de feiras itinerantes? "Ah, Sierra, mas isso tem um custo".  Claro que tem um custo. Tudo tem um custo, inclusive, a incompetência, a falta de ação, a omissão e o descaso para com a ordenação e a ocupação dos espaços que constituem uma cidade.

Quando, na última segunda-feira, eu percorri a Av. Duque de Caxias, confesso que senti um misto de satisfação e de pesar ao me deparar com a Praça Antônio Vitalino livre da ocupação desordenada de vendedores ambulantes e mesmo da ocupação promovida por tendas mantidas armadas ali por donos de lojas. Satisfação pelo fato de pensar que, até que enfim, a Municipalidade saíra de uma inação irresponsável e partira para pôr ordem no caos; e pesar por constatar que a histórica Praça Antônio Vitalino, que abrigara uma das maiores e mais procuradas feiras livres da Região Metropolitana do Recife, tenha permanecido convertida em um estacionamento. Também lamentei o desamparo das pessoas que foram retiradas dali - não sei se lhes deram a opção de ocupar outro lugar; e não sei por que ontem tantos já estavam de volta aos pontos que eles ocupavam antes da remoção -; é triste que cidadãos tenham perdido seu ganha-pão; mas não é defensável a desordem do espaço urbano, seja por qual razão e motivo for.

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