18 de dezembro de 2021

Antônio Maria, uma grande paixão

 Por Sierra

Foto: Reprodução
 Tomba, o Menino Grande Antônio Maria, adentrou em meu coração e fez dele morada permanente

 

Será que dá tempo? Sim, dá. Sempre dá tempo quando a paixão está em seus começos e o coração palpita nervoso e ansioso querendo mais e mais do ser que desencadeou a fagulha perturbadora.

No princípio foram os versos e as melodias do “Frevo nº 2 do Recife” e de “Manhã de Carnaval” – esta uma parceria dele com Luiz Bonfá, que é uma das canções mais maravilhosas que eu já ouvi – que me fizeram enxergar Antônio Maria como uma das grandezas deste meu estado-nação Pernambuco. Aí quis as circunstâncias que eu só viesse a conhecer o outro Antônio Maria na ocasião em que parte deste país está a comemorar o centenário do seu nascimento – ele nasceu no dia 17 de março de 1921.

Tendo tomado conhecimento de sua prolífica produção de cronista enquanto lia o livro O Recife e a II Guerra Mundial, do Rostand Paraíso, eu imediatamente encomendei à Livraria Pindorama, de Brasília, um exemplar da coletânea Com vocês, Antônio Maria, organizado pela Alexandra Bertola que, eu vim a saber, é uma terceira edição e/ou versão aumentada da que fora primeiramente organizada pelo Ivan Lessa e lançada em 1968 pela Editora Saga, do Rio de Janeiro, com o título O jornal de Antônio Maria – a segunda edição saiu, com o mesmo título, em 1980, pela Paz e Terra; essa editora lançou, em 1996, intitulado apenas de Crônicas, um volume em formato de livro de bolso.

O livro chegou e eu o devorei com aquela voracidade própria dos curiosos e famintos. E, à medida que eu o ia consumindo, foi crescendo em mim um desejo enorme de ele nunca acabar, para que a leitura durasse para sempre, como numa estória sem fim. Fiquei deveras tocado, profundamente tocado pelo texto “Oração para Antônio Maria, pecador e mártir”, escrito por Vinicius de Moraes, que figura como apresentação do livro e é uma das declarações de amor a um amigo mais sensíveis que eu já li – ela só perde para a que Gilberto Freyre dedicou a José Lins do Rego – e que traz passagens inesquecíveis como esta: “Um elo forte e viril se fizera entre nossas almas, e nós passamos a ser imprescindíveis um ao outro”. Que coisa linda!

Finda tal leitura eu mandei buscar no Sebo Progresso, do Recife, o perfil biográfico Um homem chamado Maria, do Joaquim Ferreira dos Santos que, como eu fiquei sabendo depois, é um dedicado admirador de Antônio Maria, responsável por outra versão desse perfil (Antônio Maria Noites de Copacabana, lançado pela Relume Dumará em 1996) e organizador de duas coletâneas de crônicas do pernambucano (Benditas sejam as moças e Seja feliz e faça os outros felizes, ambas lançadas pela Civilização Brasileira respectivamente em 2002 e 2005), que eu tratei também de adquirir. Li o perfil me sentindo ora feliz, ora triste; e, no mesmo dia em que eu finalizei a travessia daquelas páginas, escrevi no meu confessor naquele 23 de setembro: “Eu continuo e sei que hei de permanecer para todo o sempre apaixonado pelo Antônio Maria”.

Com a empolgação e o ímpeto próprios dos apaixonados, eu encomendei à Livraria Botafogo, do Rio de Janeiro, o volume de crônicas Pernoite que, sob o patrocínio da Petrobras, saiu pela Martins Fontes/Funarte, em 1989. Eu não queria mais parar de ler Antônio Maria.

Embora muitíssimo breve, o diário íntimo e pessoal que Antônio Maria escreveu entre março e abril de 1957 e que foi lançado em 2002 pela Civilização Brasileira, é, a meu ver, bastante revelador da natureza e das idiossincrasias de um homem que ao mesmo tempo em que se sentia pertencente àquela fauna e àquele ecossistema que marcavam o Rio de Janeiro da década de 50, sentia-se um deslocado por não se enquadrar, por assim dizer, em certos padrões que ele via que existiam e dominavam os ambientes que frequentava. É uma contradição, penso eu, porque, ao passo que revela certa repelência e/ou repugnância por aquilo, Antônio Maria sentia-se de alguma forma atraído por ele, como se pretendesse naturalmente pertencer a tudo aquilo.

Quem ouve as composições e quem lê as crônicas que o talentoso menino de engenho pernambucano escreveu, eu imagino, nota, observa e consegue perceber quão elevada era a sua capacidade para perscrutar ambientes e comportamentos e absorver a atmosfera do que estava ao seu redor. O ouvinte e o leitor percebem, eu também imagino, o quanto o compositor e quanto o cronista é senhor de sua pena e sabe como poucos se valer de uma afiada memória sentimental e afetiva para trazer à tona, de quando em quando, reminiscências de um passado longínquo. Em suas crônicas e canções Antônio Maria mais do que cativar e fidelizar quem o ouve e quem o lê, busca e convida os ouvintes e os leitores a serem seus confidentes, compartilhando com eles toda espécie de miudezas e de sentimentos que ele em algum momento experimentou; e só quem é capaz de agir assim e de se desnudar e de se revelar dessa maneira são aqueles que fazem de sua arte um reflexo e um espelho de si para o mundo sem receios, sem pudores e sem esperar aprovação pelos seus atos e pelo seu sentir.

Ainda há pouco veio a lume, organizado por outro estudioso da obra de Antônio Maria, Guilherme Tauil, mais um volume de crônicas; com um título que é o mesmo com que o próprio Maria pensara em dar ao livro que pretendia organizar de suas crônicas, Vento vadio expande o alcance do grande público sobre o cronista, porque traz mais de 130 textos inéditos em livro. A produção literária de Antônio Maria, assim como a sua leva de músicas, revela um cronista talentoso, sensível e extremamente passional. Ter tomado conhecimento da existência de um Antônio Maria que é gigante também na escritura de crônicas foi, no campo intelectual, a melhor coisa que me aconteceu neste ano.

Em 1997 Marisa Gata Mansa gravou um disco, lançado pela Cid – e que foi o derradeiro registro fonográfico dessa intérprete -, com o sugestivo título de Encontro com Antônio Maria. Cada vez que eu ouço as faixas desse disco eu renovo a minha paixão por Tomba, pelo Menino Grande Antônio Maria, que adentrou em meu coração e fez dele morada permanente.

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