Por Sierra
Foto: Reprodução Tomba, o Menino Grande Antônio Maria, adentrou em meu coração e fez dele morada permanente |
Será que dá tempo? Sim, dá. Sempre
dá tempo quando a paixão está em seus começos e o coração palpita nervoso e
ansioso querendo mais e mais do ser que desencadeou a fagulha perturbadora.
No princípio foram os versos
e as melodias do “Frevo nº 2 do Recife” e de “Manhã de Carnaval” – esta uma
parceria dele com Luiz Bonfá, que é uma das canções mais maravilhosas que eu já
ouvi – que me fizeram enxergar Antônio Maria como uma das grandezas deste meu
estado-nação Pernambuco. Aí quis as circunstâncias que eu só viesse a conhecer
o outro Antônio Maria na ocasião em que parte deste país está a comemorar o
centenário do seu nascimento – ele nasceu no dia 17 de março de 1921.
Tendo tomado conhecimento de
sua prolífica produção de cronista enquanto lia o livro O Recife e a II Guerra Mundial, do Rostand Paraíso, eu
imediatamente encomendei à Livraria Pindorama, de Brasília, um exemplar da
coletânea Com vocês, Antônio Maria,
organizado pela Alexandra Bertola que, eu vim a saber, é uma terceira edição
e/ou versão aumentada da que fora primeiramente organizada pelo Ivan Lessa e
lançada em 1968 pela Editora Saga, do Rio de Janeiro, com o título O jornal de Antônio Maria – a segunda
edição saiu, com o mesmo título, em 1980, pela Paz e Terra; essa editora
lançou, em 1996, intitulado apenas de Crônicas,
um volume em formato de livro de bolso.
O livro chegou e eu o
devorei com aquela voracidade própria dos curiosos e famintos. E, à medida que
eu o ia consumindo, foi crescendo em mim um desejo enorme de ele nunca acabar,
para que a leitura durasse para sempre, como numa estória sem fim. Fiquei deveras
tocado, profundamente tocado pelo texto “Oração para Antônio Maria, pecador e
mártir”, escrito por Vinicius de Moraes, que figura como apresentação do livro
e é uma das declarações de amor a um amigo mais sensíveis que eu já li – ela só
perde para a que Gilberto Freyre dedicou a José Lins do Rego – e que traz
passagens inesquecíveis como esta: “Um elo forte e viril se fizera entre nossas
almas, e nós passamos a ser imprescindíveis um ao outro”. Que coisa linda!
Finda tal leitura eu mandei
buscar no Sebo Progresso, do Recife, o perfil biográfico Um homem chamado Maria, do Joaquim Ferreira dos Santos que, como eu
fiquei sabendo depois, é um dedicado admirador de Antônio Maria, responsável
por outra versão desse perfil (Antônio Maria - Noites de
Copacabana, lançado pela Relume Dumará em 1996) e organizador de duas
coletâneas de crônicas do pernambucano (Benditas
sejam as moças e Seja feliz e faça os
outros felizes, ambas lançadas pela Civilização Brasileira respectivamente
em 2002 e 2005), que eu tratei também de adquirir. Li o perfil me sentindo ora
feliz, ora triste; e, no mesmo dia em que eu finalizei a travessia daquelas
páginas, escrevi no meu confessor naquele 23 de setembro: “Eu continuo e sei
que hei de permanecer para todo o sempre apaixonado pelo Antônio Maria”.
Com a empolgação e o ímpeto
próprios dos apaixonados, eu encomendei à Livraria Botafogo, do Rio de Janeiro,
o volume de crônicas Pernoite que,
sob o patrocínio da Petrobras, saiu pela Martins Fontes/Funarte, em 1989. Eu não
queria mais parar de ler Antônio Maria.
Embora muitíssimo breve, o
diário íntimo e pessoal que Antônio Maria escreveu entre março e abril de 1957
e que foi lançado em 2002 pela Civilização Brasileira, é, a meu ver, bastante
revelador da natureza e das idiossincrasias de um homem que ao mesmo tempo em
que se sentia pertencente àquela fauna e àquele ecossistema que marcavam o Rio
de Janeiro da década de 50, sentia-se um deslocado por não se enquadrar, por
assim dizer, em certos padrões que ele via que existiam e dominavam os ambientes
que frequentava. É uma contradição, penso eu, porque, ao passo que revela certa
repelência e/ou repugnância por aquilo, Antônio Maria sentia-se de alguma forma
atraído por ele, como se pretendesse naturalmente pertencer a tudo aquilo.
Quem ouve as composições e
quem lê as crônicas que o talentoso menino de engenho pernambucano escreveu, eu
imagino, nota, observa e consegue perceber quão elevada era a sua capacidade
para perscrutar ambientes e comportamentos e absorver a atmosfera do que estava
ao seu redor. O ouvinte e o leitor percebem, eu também imagino, o quanto o
compositor e quanto o cronista é senhor de sua pena e sabe como poucos se valer
de uma afiada memória sentimental e afetiva para trazer à tona, de quando em
quando, reminiscências de um passado longínquo. Em suas crônicas e canções
Antônio Maria mais do que cativar e fidelizar quem o ouve e quem o lê, busca e
convida os ouvintes e os leitores a serem seus confidentes, compartilhando com
eles toda espécie de miudezas e de sentimentos que ele em algum momento
experimentou; e só quem é capaz de agir assim e de se desnudar e de se revelar
dessa maneira são aqueles que fazem de sua arte um reflexo e um espelho de si
para o mundo sem receios, sem pudores e sem esperar aprovação pelos seus atos e
pelo seu sentir.
Ainda há pouco veio a lume,
organizado por outro estudioso da obra de Antônio Maria, Guilherme Tauil, mais
um volume de crônicas; com um título que é o mesmo com que o próprio Maria
pensara em dar ao livro que pretendia organizar de suas crônicas, Vento vadio expande o alcance do grande
público sobre o cronista, porque traz mais de 130 textos inéditos em livro. A produção
literária de Antônio Maria, assim como a sua leva de músicas, revela um
cronista talentoso, sensível e extremamente passional. Ter tomado conhecimento
da existência de um Antônio Maria que é gigante também na escritura de crônicas
foi, no campo intelectual, a melhor coisa que me aconteceu neste ano.
Em 1997 Marisa Gata Mansa
gravou um disco, lançado pela Cid – e que foi o derradeiro registro fonográfico
dessa intérprete -, com o sugestivo título de Encontro com Antônio Maria. Cada vez que eu ouço as faixas desse
disco eu renovo a minha paixão por Tomba, pelo Menino Grande Antônio Maria, que
adentrou em meu coração e fez dele morada permanente.
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