26 de fevereiro de 2022

Sobre generosidade

Especialmente para Luciana Campos


Foto: Internet
  Às vezes uma simples ajuda, por menor que seja, pode transformar completamente para melhor a vida de uma pessoa


 

Há uma guerra acontecendo lá fora. Na verdade, há várias guerras acontecendo lá fora: na Ucrânia, no Iêmen, na Somália, na Síria... Há guerras acontecendo e se desenrolando em várias partes do mundo; Petrópolis está ainda a contar seus mortos e a procurar pelos seus desaparecidos; e hoje eu resolvi falar de generosidade.

As imagens das guerras me entristecem. O desamparo social me entristece. A vida sem rumo me entristece. A crueldade me entristece. A fome alheia me entristece. A burrice me entristece. O não querer enxergar a realidade me entristece. A recusa da oferta de ajuda me entristece. O poder ajudar e não fazê-lo me entristece. O silenciar quando se deveria era falar me entristece.

Entre os vários defeitos que em mim habitam está o de, como se costuma dizer, se intrometer na vida dos outros. Não estou falando aqui de bisbilhotar a vida alheia e de fofocar sobre fulano, beltrano e sicrano, que isso todo mundo faz. Não, a coisa aqui se dá em outra ordem. Quero dizer do intrometimento de quem se dispõe a – e eu costumo fazer isso não só com gente por quem eu sinto alguma estima, mas também com quem eu compartilho vivências ou com quem eu acabei de conhecer e que não é necessariamente alguém por quem eu nutra algum sentimento de cuidado -, digamos, abrir os olhos e mostrar uma direção; de dizer que do jeito que a coisa vai, a pessoa irá quebrar a cara e ficar na pior. Por experiência própria, eu sei que nem todo mundo quer ter por perto uma pessoa assim como eu sou; e a recusa costuma vir acompanhada por enfáticos “Não se meta na minha via”, “Eu sei o que estou fazendo” e “Cuide da sua vida que eu cuido da minha”. Ah, ainda tem o “Quem sabe da minha vida e do que é bom ou ruim pra mim sou eu”. E ponto. Já ouvi várias pessoas dizerem que não vale a pena insistir na questão; e que, em se tratando de gente assim, o que se tem a fazer é deixar tais indivíduos afundando na lama e/ou caminhando em direção ao precipício, porque tem gente que precisa quebrar a cara para aprender a lição – e tem os que nem mesmo assim a aprendem.

Quem já recebeu uma ajuda, um apoio, um auxílio – financeiro, material ou de outra natureza, como um abrigo, por exemplo; como um tempo para ouvir um desabafo; etc. – sabe muito bem do que eu estou falando. Assim como a gentileza, a generosidade também não se paga. E, geralmente, as pessoas que costumam ser generosas e/ou que praticam atos de generosidade, são pessoas que em algum momento de suas vidas foram elas mesmas apoiadas, auxiliadas e ajudadas. E o replicar o ato de generosidade diz muito da nossa disposição para de alguma forma retribuir o bem que recebemos.

Muitas vezes, porque levamos rasteiras de quem nos prontificamos a ajudar, pensamos em não mais estender a mão a quem quer que seja. Mas isso logo passa; esse sentimento ruim não fica impregnado em nós, porque a força da lembrança da ocasião em que nós fomos ajudados é muito poderosa e revitalizadora; e é essa força que faz com continuemos a praticar atos de generosidade.

Não é todo dia – e eu aqui estou falando por mim – que estamos dispostos e/ou com condições de ofertar o auxílio de que fulano, beltrano ou sicrano estejam precisando num dado momento. O ditado que diz “Não se deve descobrir um santo para cobrir outro” é uma espécie de mantra para mim. Eu sou uma pessoa que costuma agir com bastante pragmatismo nesse aspecto. Não tenho disposição para me prejudicar em decorrência de um auxílio que eu possa vir a dar. Não tenho mesmo. Eu auxilio, eu dou ajuda e eu apoio quando isso está ao meu alcance; o “dar-se um jeito” não está registrado em minha cartilha; eu calculo até aonde eu posso ir.

Quando eu ajo com generosidade, eu não pratico o ato esperando que a pessoa me retribua. De maneira alguma. Esperar retribuição, neste caso, anula o que seria generosidade, porque a generosidade é desinteressada. O que eu na verdade e sinceramente espero da pessoa é que ela, uma vez que tenha superado o obstáculo e a dificuldade que enfrentava, consiga ser generosa, que ela consiga praticar pelo menos um ato de generosidade em sua vida, olhando para trás e recordando que alguém um dia já praticou a generosidade em benefício dela. Às vezes uma simples ajuda, por menor que seja, pode transformar completamente para melhor a vida de uma pessoa.

Outro dos meus defeitos é me aborrecer e lamentar quando alguém se nega a aceitar a minha “intromissão”, quando alguém abusa da minha bondade e/ou faz pouco caso da minha disposição para ajudá-lo. Cada um é o que é; isso é um fato. E cada um só dá o que tem. Os reveses dessa natureza têm me feito ver que a recusa de uns e outros e as rasteiras que uns e outros me deram não tiraram de mim – e nem hão de tirar – a compreensão de que a prática da generosidade, seja ela em que escala ou medida for, é um exercício do meu bem viver do qual eu não abro mão.

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