Por Sierra
A guerra envolvendo a Rússia
e a Ucrânia, que tantos males e reflexos vem causando pelo mundo afora,
continua sendo travada e não se sabe até quando isso permanecerá na ordem do
dia. Tudo é um horror. Tudo é trágico. Tudo é muito triste.
Nem mesmo a guerra, quer
dizer, por causa também da guerra, umas falas algo estúpidas e debiloides que
mais parecem coisa de adolescente donzelão, como se diz aqui na minha terra;
falas que mais parecem ter vindo de um indivíduo que nunca viu uma vagina e
“nem tirou o queijo”, como também se diz por aqui, puseram o deputado estadual
por São Paulo, Arthur do Val, conhecido por Mamãe Falei, no noticiário
nacional. Deixem eu me corrigir antes de passarmos para o próximo parágrafo:
não foi por causa da guerra ora travada na Ucrânia que as falas do mencionado
deputado figuraram como estúpidas e debiloides: elas são e seriam estúpidas e
debiloides em quaisquer circunstâncias.
Não vou me prestar aqui a
repetir o que disse Mamãe Caguei, ops, Falei, algo que está em tudo quanto é
canto na internet. Nem vou me ater em avaliar como descabidas, machistas, misóginas e
preconceituosas as falas do referido parlamentar, porque é esse o juízo comum
de tantos e quantos que noticiaram e comentaram o ocorrido. Eu quero é
aproveitar o ensejo para discutir o papel do chamado sincerão numa sociedade
que, não é de hoje, sempre deu sinais de que tem verdadeira ojeriza e aversão a
quem fala e diz o que pensa como se não dispusesse de um filtro.
Até onde eu sei, a
sinceridade sempre foi algo nocivo, daninho e mesmo agressivo e doentio em
todas as épocas e ainda mais agora neste tempo em que se empunha, com tanto
empenho e furor, a bandeira do dito “politicamente correto”. Eu não sou
politicamente correto. E só eu e quem me conhece de perto sabemos que eu não
sirvo integralmente para o politicamente correto; e, por isso, eu fico me
policiando para tentar não cometer falas e atitudes e comportamentos tidos como
politicamente incorretos. Eu sou da greia. Eu sou gregoriodematiano. Eu ponho
apelidos nas pessoas. Eu zombo delas. Eu sou, como dizem por aqui, uma
verdadeira água de coentro. Eu, enfim, não presto. Mas ponho em mim algum
freio. Ou tento pôr.
A figura do sincerão nunca
foi e nunca será bem-vinda. O império da falsidade e do teatrinho social não
dispõe de lugar para o sincerão. É preciso fazer de conta para ser bem
recebido. É preciso reprimir o que realmente se sente para poder participar do
Clube dos Virtuosos. É preciso negar parte do seu eu para que forjem em você
outra pessoa em substituição ao que você realmente é; afinal, as leis e as
regras de etiqueta do convívio social estão aí para isso.
Ainda pesa sobre o sincerão
o fato de que muitos padrões de comportamento mudaram nos últimos tempos; e,
junto com essas mudanças, veio a rejeição a uma série de atitudes e falas e
opiniões que antes eram aceitas e toleradas. E, como estamos a viver num
universo bigbrotheriano, o que fazemos de condenável ou que seja julgado como
tal é logo “denunciado” no WhatsApp, Twitter, Facebook, sites de notícias, redes de televisão e no escambau; de
modo que, andar na linha em todos os quadrantes da existência é um imperativo
deste nosso tempo, é o seu verdadeiro zeitgeist.
Costumo repetir uma
obviedade ululante quando enveredo por esta seara, porque, a mim me parece, que
quem “sai da linha” não leva isso em conta; o sujeito quer emitir uma opinião,
quer falar e escrever algo que o senso comum e/ou o espírito coletivo já
enquadrou como impróprio, inadequado, inaceitável e reprovável e ele ainda se
faz de desentendido; e diz que não era bem isso o que queria dizer; que foi mal
interpretado; que tem bons antecedentes; e por aí vai. E qual é a obviedade
ululante? Ora, que o indivíduo aguente as consequências e responda pelo que
falou, escreveu ou divulgou. Simples assim.
Caro deputado Arthur do Val,
como é que o senhor vai para a Ucrânia levando na bagagem um mais do que louvável
sentimento de solidariedade para o povo ucraniano e grava uma fala daquela, tão
ofensiva contra as “ucranianas pobres”? Nobre deputado e como é que, tendo dito
o que disse e ocupando o cargo público que ora ocupa, o senhor divulgou o nada
humanitário e nem solidário comentário contra as “ucranianas pobres” num grupo
de WhatsApp? Deputado, em grupo de WhatsApp? Deputado, o senhor não sabe
que grupos de WhatsApp são piores,
muito piores do que aquelas vizinhas fofoqueiras que existem em quase todas as
ruas? O senhor não sabe que não faltam nesses “grupos de amigos” do WhatsApp quem esteja ali somente para
desmascarar gente que, como o senhor, posa de bastião da moralidade e da
probidade? Para ser sincero, senhor deputado, para ser bem sincerão, o senhor
agiu como um bobão em todo o processo: da gravação do áudio maldito até a
brilhante ideia que teve de divulgá-lo no WhatsApp.
Parabéns! O senhor merece um prêmio.
Meu telhado de vidro é
enorme e trincado; daqui a pouco pode ser que ele desabe. Admito sem hesitar:
eu não sou um poço de integridade, honestidade, moral e ética. Quem quiser que
se arvore de sê-lo. Faço o que posso – e sem remorsos e sem complexos de
inferioridade – para domar minhas incivilidades e meus comportamentos ética e
moralmente reprováveis, mas nem sempre eu consigo; e nem por isso eu fico a me
explicar e a tentar contornar o incontornável. Neste meu espaço, que eu ocupo
há vários anos, quem procurar provavelmente há de encontrar coisas absurdas que
eu tenha escrito; coisas que possam ser enquadradas como condenáveis e
reprováveis pela cultura de banimento, apedrejamento e cancelamento que passou
a vigorar nos tribunais inquisitoriais do mundo virtual e além deles de uns
tempos para cá.
Nunca, jamais eu iria me solidarizar com o Arthur do Val pelo que ele disse das “ucranianas pobres”, porque eu quase sempre me inclino para o lado das mulheres, porque eu bem sei – e minha Mãe que o diga – o tanto de males que os homens somos capazes de fazer contra elas, sejam elas ricas, pobres ou muito pobres.
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