2 de abril de 2022

A Ciranda do Sol continua irradiando a luz, a resistência e a alegria de Mané Baixinho

 Por Sierra



Fotos: Arquivo do Autor
A Ciranda do Sol em ação: Mestra Tina e os demais integrantes do grupo estão resistindo aos que continuam não dando o devido valor às manifestações da cultura popular



A segunda e última vez que eu vi o cirandeiro Mané Baixinho em ação foi no dia 24 de janeiro de 2015, ocasião em que ele, já doente, fez uma apresentação com a sua Ciranda do Sol no Largo da Gameleira, na orla de João Pessoa. Naquele dia, infelizmente, eu não pude conversar com ele; troquei figurinhas com Tina, sua contramestra, que conduzia o espetáculo com seu porte de quem sabia muito bem o que estava fazendo; mais do que uma discípula do mestre cirandeiro, Tina esbanjava em sua performance o que me parecia ser uma certeza de continuidade daquela ciranda, porque ela fazia uma apresentação como se estivesse tomada de um  grande compromisso com aquele brinquedo, tamanha era a alegria que deixava ver para quem estivesse ali presente.




Estando eu curtindo mais uma boa folga na capital paraibana, no sábado 15 de janeiro deste ano, fui prestigiar uma apresentação da Ciranda do Sol no Parque Sólon de Lucena. Lamentei tremendamente o fato de ter chegado ao evento, que ocorreu à tarde, quando já fazia um bom tempo que os cirandeiros faziam a brincadeira boa danada que é dançar ciranda. E, para não perder ainda mais tempo, eu entrei logo na roda e me pus a cirandar e a cantar junto com eles. Num dia em que a chovera tanto naquela cidade, a Ciranda do Sol deu brilho e cor àquela tarde.


A mim me pareceu que não houve uma boa divulgação do evento, porque o público era muito diminuto


Enquanto cirandava eu dei por falta do Mestre Mané Baixinho no comando da festa. O que teria acontecido? Ao fim do espetáculo eu fui ter com a agora Mestra Tina, que me falou do falecimento do seu amigo, mestre e direcionador de caminho Mané Baixinho, ocorrido no ano passado.



Tão lamentável quanto a notícia do encantamento de Mané Baixinho foi observar a presença diminuta de pessoas para prestigiar o evento de cultura popular. Sim, tinha chovido naquele dia, mas a tarde estava linda e convidativa para um passeio; e, tanto isso era verdade, que havia um bom número de indivíduos noutros pontos do parque. Cirandando na roda estavam, em sua maioria, integrantes do próprio grupo de cirandeiros. A mim me pareceu que o evento não tivera uma boa divulgação.




Quem acompanha o noticiário cultural tomou conhecimento de que a ciranda do Nordeste foi reconhecida como Patrimônio Cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 31 de agosto do ano passado. Meses depois, atendendo a um pedido do Fórum Cultural do Coco de Roda e Ciranda da Paraíba, a Câmara Municipal de João Pessoa aprovou o reconhecimento em lei de tais manifestações culturais; lei essa  que foi publicada na última edição do Semanário Oficial do Município, em 31 de dezembro de 2021. Ao reconhecer uma manifestação cultural como patrimônio, o Estado deve lançar mão de meios que possibilitem que tal manifestação continue viva e sendo praticada. E, como sabem os que acompanham os mestres e brincantes da chamada cultura popular, muitas vezes esses artistas são quase de todo esquecidos pelo poder público e mesmo pela iniciativa privada, participando pouquíssimo das agendas culturais e dos eventos das cidades onde eles existem e resistem, porque costuma-se privilegiar e pagar altos cachês aos artistas do momento e aos ditos nomes consagrados. O evento ocorrido no Parque Sólon de Lucena, por exemplo, que foi promovido pela Prefeitura Municipal de João Pessoa, poderia ter sido aproveitado para reunir outros grupos de ciranda e celebrar o reconhecimento em lei do brinquedo. Como eu já disse a respeito do tombamento do patrimônio edificado, essas leis de proteção não oferecem necessariamente garantias de proteção ao que pretenderam salvaguardar. As manifestações da cultura popular e os seus mestres e brincantes têm várias carências e enfrentam inúmeros obstáculos, como a precariedade de recursos para existir e a baixa visibilidade da arte que eles defendem a todo custo.


Quem entra numa roda de ciranda vai sempre querer participar da brincadeira


Mestra Tina ao lado de outra integrante da Ciranda do Sol

                                     

Eu ao lado da Mestra Tina, que muito admiro por sua dedicação à continuidade do legado de um grande mestre da cultura popular que foi Mané Baixinho, um dos maiores divulgadores da ciranda na Paraíba

                                               

A ausência de Mané Baixinho ali de certo modo foi como que um baque para mim, porque, quando um grande mestre da cultura popular se vai, costuma desaparecer junto com ele não só o brinquedo que ele defendia, mas também a própria essência da arte que estava encarnada e representada em sua pessoa. Contudo, quando eu vi em ação e tomando a frente do grupo uma aguerrida e talentosa Mestra Tina, eu me enchi de alguma esperança, de alguma confiança de que a Ciranda do Sol há de permanecer ainda durante muitos anos como que irradiando o legado de Mané Baixinho e abrindo rodas de cirandas nos pátios, ruas e praças da Paraíba e de onde quer que se queira que o sol dessa ciranda continue a brilhar.


Luan Micael: cirandando para preservar a cultura popular


Na pancada do ganzá estava um jovem Luan Micael, de 19 anos, a me dizer que cultura popular é cultura de resistência; e que ele era também uma garantia de sua permanência. Tina, Luan e os demais integrantes da Ciranda do Sol estavam, naquele sábado, dizendo, a quem quisesse ouvir, que eles irão fazer de tudo para que a ciranda de Mané Baixinho continue a rodar.

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