Por Sierra
Confesso a você, leitor,
que, em mais de uma ocasião, eu pensei em parar de alimentar este blog por dois motivos: 1º) pelo tempo
que demanda a produção de textos mais substanciosos; 2º) e por meu trabalho,
pelo meu ganha-pão, que me impossibilita uma entrega de corpo e alma ao ofício
de pesquisar e escrever. Mas, como você pode ver, leitor, eu continuo por aqui;
e estar aqui tem sido a oportunidade de eu falar para um público amplo que, de
outra forma, talvez, eu não tivesse como alcançar.
Como eu ainda não aderi ao
mundo dos youtubers, é pela escrita
que eu tenho procurado produzir conhecimento; e é por este blog que eu venho buscando difundir o que produzo dentro do tempo
de que eu disponho para isso. Nunca que eu fui contra a ideia de receber um
apoio financeiro, um patrocínio, ser monetizado, como diz a linguagem corrente;
mas isso até agora não aconteceu; e, mesmo assim, eu permaneço produzindo
conteúdo de forma independente – e liberdade, eu sei, é tudo o que se quer – e postando
os textos nesta plataforma. Talvez chegue o dia em que eu deixarei de aborrecer
o mundo virtual com minhas insípidas narrativas; mas, por enquanto, o universo
digital vai ter que continuar me aturando.
Dadas as mudanças que
ocorreram nos últimos quinze, vinte anos com a internet e com o acesso das pessoas a ela e toda a transformação
que disso decorreu em matéria de difusão de conteúdos científicos,
jornalísticos, musicais, cinematográficos e etc. e etc., eu fico me perguntando:
“Se não existisse o amplo e democrático espaço da internet, onde mais eu poderia divulgar os textos que produzo a um
custo tão baixo?”. Ora, simplesmente eu não disporia desse lugar, porque tudo o
mais, quaisquer outros meios seriam difíceis de ser alcançados por mim, porque
seus custos seriam muito mais elevados. Um livro, uma revista ou qualquer outra
coisa do gênero, por exemplo, custa uma pequena fortuna para ganhar forma
concreta; e ainda tem a questão da divulgação, do processo de circulação, de
fazer com que determinado público ou as pessoas de um modo geral saibam que aquilo
foi feito, que aquilo existe, o que demanda mais custos, altos custos.
Dito isso, o espaço da internet se revelou uma grande janela de
oportunidades para o que desde o início eu queria fazer, que era divulgar o que
eu escrevo. E com a periodicidade que eu pudesse e/ou quisesse. E abordando os
temas que me dão na telha. E dizendo de assuntos que me interessam e/ou que me
inquietam. E dizendo de mim mesmo. E dizendo de lugares aos quais eu fui. E dizendo
de pessoas que eu conheci. E dizendo, enfim, de sentimentos, de vontades, de
verdades, de desejos, de frustrações, de conquistas, de realizações e de
histórias que se aglutinam na incessante narrativa da grande História da vida
de todos e de cada um de nós.
Ao longo do tempo a ocupação
de produtor independente de conteúdo me fez ver que, mesmo que eu tenha mantido,
durante todos esses anos em que escrevo para este blog, um firme compromisso com a honestidade intelectual sem nunca
forjar documentos e/ou fontes e muito menos apresentar como sendo minhas, ideias
alheias, eu, vez por outra, sofri algum tipo de preconceito, preconceito esse
vindo, sobretudo, do meio acadêmico, porque, parte da academia continua
relutando em aceitar como legítimo e/ou digno de nota, de valor e/ou de
consideração o que um blogueiro produz; e, ainda mais, se o blog é alimentado por um sujeito que só
tem uma simples graduação, como é o meu caso. Vou exemplificar o que eu acabei
de dizer: certa feita uma pós-doutoranda entrou em contato comigo porque
encontrou um artigo em meu blog que
poderia servir como fonte para o seu trabalho então em andamento. Sabe o que é
que ela queria que eu fizesse com o meu texto? Que eu tentasse publicá-lo em
alguma revista científica, porque, só assim, ela poderia citá-lo em sua
pesquisa. Pois é, a vida tem dessas coisas, como diria o Ritchie. E por que que
a pós-doutoranda não tratou de indicar o meu artigo a algum periódico
científico a fim de que ele pudesse ser publicado? Eu não sei. Como também eu não
sei e nunca saberei lidar com os egos muito inflados de certos seres humaninhos
acadêmicos.
Assim como o meu mestre-maior Gilberto Freyre, eu me considero não um antiacadêmico e sim um inacadêmico. No ensaio “Como e porque sou sociólogo. I”, o autor de Casa-grande & senzala disse assim: “A aversão a quanto seja convencionalmente acadêmico, pedantemente professoral e ostensivamente doutoral tem sido uma das minhas constantes [...] Não importa, porém, minha aversão ao academismo mais hirto, em preconceito sistemático contra as academias e contra as cátedras, em geral: academias e cátedras cuja necessidade sou o primeiro a reconhecer. Apenas reconheço, também, que à saúde intelectual de um povo como o brasileiro convém a presença de indivíduos que não sendo antiacadêmicos, sejam inacadêmicos; e não sendo adstritos a cátedras ou sequer a instituições oficiais ou particulares de ensino superior, pertençam, ainda assim, à família universitária” (Gilberto Freyre. “Como e porque sou sociólogo. I”. In Como e porque sou e não sou sociólogo. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1968, p. 60. Noutro ensaio contido nessa mesma obra e intitulado “Como e porque sou escritor, sem deixar de ser um tanto sociólogo”, Freyre diz este outro quase mantra que eu carrego comigo: “Sou dos que pensam que o escritor, para ser autenticamente escritor, precisa de pensar, sentir e escrever sem subordinação a qualquer força econômica ou politicamente dominante ou a moda ideológica ou a convenção social ou a terrorismo jornalístico [...] O escritor que se acovarda diante dessas forças corre o risco de tornar-se escriturário em vez de escritor; intelectuário em vez de intelectual. Corre o risco de tornar-se um equivalente das prostitutas avelhantadas: aquelas que tudo passam a fazer para agradar os jovens, para ganhar popularidade, para dar prazer aos poderosos de qualquer espécie”, p. 187-188). Vale também para mim o que disse de si o folclorista Armando Souto Maior em entrevista à Joselice Jucá: “A minha pesquisa é feita à minha maneira, como eu sei fazer e não da maneira acadêmica, da maneira formal, da maneira burocrática de fazer uma pesquisa” (In Joselice Jucá. Joaquim Nabuco: uma instrução de pesquisa e cultura na perspectiva do tempo. Recife: Fundaj, Editora Massangana, 1991, p. 138).
Não consigo imaginar o que eu venho produzindo ao meu modo e à minha maneira, inserido em esquemas rígidos, em formatos engessados, como quer e dita a academia. E, tudo ou quase tudo que vai dentro de mim, desliza sob a minha pena do modo e da maneira que eu julgo ser correta e compreensível: o que em mim é mera curiosidade; o que em mim é entendimento e busca da preservação da memória ou de alguma memória; e o que em mim é fundamentalmente uma declaração de princípios norteadores e uma verdadeira profissão de fé. Tudo isso alinhavado por um aprendizado que não é só livresco, mas também vivencial; um aprendizado que se adquire longe dos livros e das teorias que, por vezes, temos a sensação de que não encontram seus correspondentes na realidade da vida cotidiana e habitam tão somente a esfera das abstrações. E eu não digo isso como o estabelecimento de uma verdade absoluta, porque eu não sou tolo e nem pretensioso o bastante para tanto. Eu digo isso, repito, como uma declaração de princípios norteadores da minha vida interior que deságua na minha produção intelectual.
Eu já disse certa feita e
vou repetir agora: o que eu escrevo, o que eu produzo vale pelo seu valor de
face. Eu não escrevo mirando um público específico e preferencial. Eu escrevo tão somente esperando que alguém leia minhas narrativas. O que eu escrevo, o que eu produzo não é acompanhado da determinação: “Você
tem de me citar em sua pesquisa!”. Nada disso. Mesmo que seja para massacrar,
espezinhar, atacar, dizer que não presta e que é uma tremenda porcaria o que eu
escrevi, o indivíduo irá citá-lo se quiser. Não gostou? Não confia? Achou medíocre?
É superficial? Eu não sei escrever? Está repleto de erros e equívocos? O pensamento
e as ideias são rasteiros? Ora, ora, paciência; é só buscar outra fonte. Simples
assim.
Devo-lhe dizer também, caro
leitor, que, aqui e ali, seja pelo que eu digo, seja pelo que eu cito, seja
como um banco de imagens, este blog
está tendo uma carreira que, se não é lá grande coisa, é, no mínimo, merecedora
de alguma consideração, como podem revelar os diversos trabalhos acadêmicos e
outras produções, como livros, que o citam; e tais citações falam por si só da
relevância que tais produções atribuíram ao meu trabalho, o que me deixa não
somente lisonjeado, mas também consciente de que eu estou fazendo certo o que
eu gosto de fazer.
Nesta semana este que vos
escreve teve, num só dia, mais duas demonstrações de que este blog vai muito bem, obrigado: na manhã
da quinta-feira eu fui entrevistado por uma simpática e aguerrida e entusiasmada
doutoranda chamada Eliane Silva, por causa de um artigo que escrevi sobre o
recifense bairro de São José; e, à tarde, uma grande editora nacional de livros
didáticos, a Editora Scipione, entrou em contato comigo a fim de me pedir autorização para utilizar
uma das fotografias que ilustram um texto meu sobre a ciranda pernambucana.
Parafraseando a inesquecível
Luísa Marilac eu vos pergunto: se isso é ser menosprezado, porra, o que é ser
reconhecido, né?
Nenhum comentário:
Postar um comentário