30 de abril de 2022

Personas urbanas (29 )

 Por Sierra

 

Aquele trem já passou.

Se passou, passou

Daqui pra melhor.

Foi!

Só quero saber do que pode dar certo.

Não tenho tempo a perder.        Go back. Sérgio Britto/Torquato Neto

 

 

Eu não sou um muro das lamentações. Existem pessoas que parece que vieram ao mundo com um único propósito: lamentar. Lamentar pelo que é; lamentar porque casou ou porque não casou; lamentar pelo salário que ganha; lamentar porque se acha feia; lamentar porque está acima do peso; lamentar, enfim, por quase tudo e até porque existe.

Como bem dizia a minha adorada Avó, neste mundo não só existe todo tipo de gente, como também há gente para tudo. E um desses tipos de gente é justamente o indivíduo lamentoso, a criatura queixosa cuja vida parece ser um martírio sem fim.

Há quem demonstre ter uma verdadeira paciência de Jó para lidar com esses seres humaninhos. Eu não. Eu não tenho paciência nenhuma para aguentar cinco minutos de conversa com um lamentoso. Primeiro, porque com gente assim você praticamente não dialoga, porque o sujeito fala pelos cotovelos, não dá espaço para você, sempre tem razão e a situação dele é a pior que existe. Segundo, porque, se você não se cuidar, acaba sendo contaminado pelas lamúrias e pelas queixas dele. Terceiro, porque, francamente, eu não tenho vocação alguma para psicólogo, analista ou algo que os valha.

Quando alguém começa a falar reclamando da vida eu já ligo o meu sinal de alerta para engatar a marcha e sair em disparada. Cair fora numa situação dessas não é só evitar aborrecimentos, é, também, uma eficaz estratégia de sobrevivência, porque o lamentoso, o queixoso não se preocupa com a saúde mental do seu interlocutor, não; ele não está nem aí para isso; o que ele fundamental e principalmente quer é fazer de você um muro das lamentações – e muro, como todo mundo sabe, nada fala, só escuta. E eu não estou na vida para encarnar esse tipo de coisa.

Quem aguenta isso? Eu não aguento, não, minha gente. Eu me afasto. Eu sou egoísta demais para deixar que arruínem a minha paz. Quer choramingar? Quer lamentar? Quer fazer drama? Quer posar de maior injustiçado, de maior frustrado, de maior merda do mundo? Procure outro ouvido para alugar, porque o meu está reservado para outra serventia.

Desabafo é uma coisa, é algo que todos nós, em algum momento, precisamos fazer; outra coisa é o lamento permanente, é a queixa interminável como se a pessoa vivesse em prisão perpétua com a dor e com sofrimento e mantendo o pensamento fixo na própria desgraça.

Um conhecido meu certa vez me disse assim: “Sierra, não adianta dizer a fulano que o problema que ele contou a você não passa de uma coisinha à toa, não passa de um probleminha, porque, na cabeça dele, é um problemão e pronto”. Concordo plenamente com tal avaliação. Acontece que eu não sou obrigado a bancar o legal, a bancar o camarada, a bancar o amigão que tudo tem de suportar para o bem da humanidade.

Às vezes eu penso que o lamentoso age de caso calculado para testar a nossa paciência. Só que comigo tal estratégia não funciona, porque, além de ser impaciente por natureza, eu não consigo só ouvir, ouvir e ouvir sem ter oportunidade para falar. E um dos meus defeitos é não ser complacente para com quem demonstra querer me fazer de trouxa e/ou abusar da minha bondade e da minha nobreza. Se eu tiver que ouvir um lamentoso será durante pouquíssimos minutos; e, uma vez identificada a criatura, nunca mais outra vez, never more eu darei ouvido a ela.

Vou direto ao ponto: se alguém me chama para conversar dizendo “Eu tô precisando falar urgentemente contigo”, eu digo logo: “Eu não empresto dinheiro. Eu não sou psicólogo nem analista e muito menos muro das lamentações”. Ora essa, com tanta gente por aí e a criatura quer alugar o meu ouvido, logo a mim que tenho paciência zero para lidar com tais espécimes?!

Nunca gostei disso; e não será a esta altura da vida que eu vou reavaliar a minha conduta e passar a tratar os lamentosos e os queixosos como gente de bem. Não, eu não vou. Para mim, quem vive a lamentar por tudo que constitui a sua existência, de algum modo faz mal a quem ele procura para alugar, porque, quem não consegue encarar a vida como um desafio sem fim e como uma luta incessante, está neste mundo sem compreender realmente as engrenagens de tudo o que nos move. Problemas? Tristezas? Derrotas? Frustrações? Perdas? Fracassos? Quem é que, ao longo de sua existência, não experimenta isso, me digam?

Longe de mim eu querer bancar o insensível. Pelo contrário, eu sou até mais sensível do que gostaria. O que acontece é que existem pessoas, existem comportamentos, existem coisas e existem entendimentos acerca disso e daquilo que não servem para mim, porque não se encaixam na compreensão que eu tenho do que eu sou e de como eu devo estar no mundo.

 

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