Às vezes, quase sempre, um livro é maior que a gente.
Tenho por mim que, caso eu
tivesse vindo ao mundo com a única serventia de ler livros, eu certamente seria
a pessoa mais completa, mais satisfeita e mais feliz de todos os universos
conhecidos e desconhecidos.
Os livros marcam uma
presença tão significativa e preciosa em minha vida que é como se eles sempre e
sempre tivessem feito parte do meu ser. Quando eu olho para trás e vejo que,
tempo houve em que eu passava pelos livros e apenas os mirava como objetos
quaisquer, sem me interessar em conhecer o íntimo de suas matérias e sem me dar
conta de que poderia existir em alguns deles diferentes elementos com os quais
eu pudesse construir a minha vida interior, é como se, vida mesmo, vida intensa
e verdadeiramente compreendida, vida transmudada e repleta de significados e
apontada para um destino, eu só tenha conhecido de fato a partir do instante em
que a leitura, em que o livro, em si, se impôs na minha existência como uma
força, como uma presença e como uma necessidade vital.
Não sei precisar o momento
exato em que isso aconteceu. O que é perfeitamente claro para mim é que o
instante dessa descoberta - que eu quase ia dizer que descambou numa
dependência, quando o correto é dizer que se deu uma simbiose, porque, para mim,
o livro é algo vivo e não um ser inanimado - trouxe para o meu viver e para o
meu cotidiano outra dimensão; essa simbiose com os livros conferiu à minha vida
o papel que, lá se vão muitos anos, eu estou a exercer, que é o ofício de
escrever.
À medida que os livros foram
se tornando uma necessidade vital para mim, eu vislumbrei que era preciso
constituir uma biblioteca. E assim foi que, ao longo do tempo, eu me entreguei
a tal propósito, reunindo um acervo que não diz somente de pequenos e grandes
prazeres e gostos pessoais, mas também que se fez sob o imperativo do meu outro
ofício, que é o de pesquisador. Quero com isso dizer que nem todos os livros
que fazem parte da minha biblioteca me deram satisfação e prazer; muitos deles
foram lidos porque era necessário que eu os lesse tendo e vista que eles eram
obras de referência e eu precisava de informações que eles continham para o uso
que eu iria fazer delas. Ou seja, mesmo quando não foram puras fontes de
satisfação e de prazer, os livros não deixaram de ser relevantes, porque, pelo
óbvio que isso pareça, relevante e importante não é apenas aquilo de que nós
gostamos.
Tempo houve em que, quase semanalmente, eu ia aos sebos do Recife à procura de títulos que pudessem fundamentar e/ou enriquecer determinados estudos que eu estivesse mantendo em curso. E, habitualmente, os sebos que eu mais frequentava – como, aliás, eu permaneço frequentando – eram aqueles cujos sebistas expunham seus livros nas calçadas da Avenida Guararapes, no bairro de Santo Antônio, na área central da capital pernambucana, principal e fundamentalmente por dois motivos: 1º) os preços que era/são cobrados; 2º) e a facilidade de ter ao alcance dos olhos, fora de estantes onde só as lombadas dos livros podem ser vistas, uma quantidade enorme de publicações, com suas capas à mostra, como se fossem peças de propaganda. E é uma delícia para mim eu correr os olhos sobre os livros arrumados nas calçadas torcendo para encontrar entre eles algum título de há muito procurado e desejado ou então me deparar com uma obra desconhecida que, de imediato, desperta o meu interesse. Nossa, como essa sensação é gostosa. É como se eu tivesse achado um tesouro muito valioso. E, quando o preço cobrado por ele é uma pechincha, então é que o prazer aumenta. E eu volto para casa feliz da vida, como um pinto no lixo, como diz um meu conhecido.
Dias atrás, numa das idas
aos sebos da Avenida Guararapes, eu fiz uns registros fotográficos para
ilustrar este artigo. Imagens, alguns costumam dizer, valem mais do que mil
palavras; mas eu prefiro afirmar que elas dão suporte às dezenas, às centenas e
aos milhares de palavras das quais por vezes nos servimos para descrevê-las
e/ou interpretá-las.
As calçadas de livros da
Avenida Guararapes que, felizmente, estão sendo inseridas em eventos promovidos
pelo Centro Universitário Joaquim Nabuco - Feira do Livro de 2ª EdiChão - e pela Prefeitura Municipal do Recife - Viva a Guararapes - que, em outros tempos, já promoveu a remoção dos sebos que ficam ali – aos domingos
a quantidade de sebistas é maior do que nos outros dias -, não são para ser
pisadas, como as calçadas normalmente são; elas são um convite para todos
aqueles que apreciam livros, seja com a dimensão que for, procurar nelas
pequenos e/ou grandes prazeres e satisfações por preços que, no geral, são uma
ninharia.
Livros são como montanhas,
como lugares altos, como escadas nas quais subimos para alcançar uma visão mais
ampla do que está ao nosso redor e, por que não dizer, do mundo e da própria
vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário