Por Sierra
Durante pouco mais de uma semana o
Brasil que de fato celebra a vida e une forças em defesa do meio ambiente, que
é uma causa e/ou deveria ser uma causa a ser defendida por toda a sociedade,
porque a nossa saúde e o nosso bem-estar dependem inescapavelmente da saúde e
do bem-estar da natureza, acompanhou com o coração apertado as notícias sobre o
desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom
Phillips no Vale do Javari, em plena Floresta Amazônica; e, ironia das ironias,
eles, que eram ativistas e defensores da floresta e dos povos nativos da
região, desapareceram em 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente.
Toda a angústia, todo o
sofrimento e toda a perplexidade de familiares, amigos, companheiros de causa e
do público em geral que não compactua com a criminalidade e nem com o
imperativo da barbárie, desaguaram num caudaloso rio de lágrimas de proporções
amazônicas com o trágico desfecho do caso nesta semana: Bruno Pereira e Dom
Phillips foram covardemente assassinados a tiros por criminosos que pisoteiam
nas leis de proteção ambiental e que fazem o que bem entendem e querem; Bruno
Pereira e Dom Phillips foram brutalmente assassinados a tiros por criminosos
surrupiadores das riquezas da Floresta Amazônica que fazem de tudo para se
livrar de quem ousa defendê-la; Bruno Pereira e Dom Phillips foram barbaramente
assassinados a tiros por criminosos que são inimigos dos índios, dos animais da
floresta, dos rios e da própria vida; Bruno Pereira e Dom Phillips foram
cruelmente assassinados a tiros por criminosos que debocham e vilipendiam a
Justiça recorrendo a leis que eles mesmos estabelecem.
Não é de hoje que as áreas
remotas da Região Amazônica são territórios sem lei. Historicamente aquele
imenso e cobiçadíssimo pedaço do Brasil é cenário de ação de criminosos e de delinquentes
de toda espécie que, quase sempre, agem não só contando com a precariedade da
presença do Estado por lá, mas também, muitas vezes, contando com o auxílio
e/ou com a conivência de agentes corruptos do próprio Estado que emitem
licenças para isso e aquilo e que não acompanham o que o requerente de tal
documento anda realmente fazendo. De modo que, diante desse quadro, o
desmatamento e a degradação do meio ambiente amazônico, como um todo,
permanecerá numa crescente constante, porque o Estado que protege e/ou que
deveria proteger a região da ação de garimpeiros e pescadores ilegais, de
grileiros e de fazendeiros que promovem o morticínio de índios, indigenistas e
ecologistas, é o mesmo Estado que facilita a propagação de madeireiras, que
certifica o contrabando e que não pune severamente e com rigor infratores que,
não raro, são organizações criminosas que poluem rios, praticam pesca
predatória e contrabandeiam drogas, armas e animais silvestres, impondo o
terror onde elas atuam.
Deveríamos ter e,
infelizmente, não nós temos, um presidente da República que se revelasse um
defensor das causas do meio ambiente e da vida em si. Que exemplo deu e dá um
presidente que corta verbas dos órgãos fiscalizadores e que manda transferir
funcionários que se empenham em fazer cumprir a letra da lei e não se
mancomunam com os criminosos? Que exemplo deu e dá um presidente que defende a
exploração dos recursos naturais da Floresta Amazônica a qualquer custo, como
se isso não gerasse impactos daninhos de amplo alcance e magnitude? Que exemplo
deu e dá um presidente que constantemente destrata e desqualifica o trabalho de
jornalistas e que menospreza ativistas de causas de minorias? Que exemplo deu e
dá um presidente que apela o tempo todo para a desunião social e que promove um
discurso armamentista? Que exemplo deu e dá um presidente que irresponsável e
impunemente propaga notícias falsas e que desacredita dados gerados por órgãos
que monitoram e fiscalizam ações de destruição do meio ambiente? Que exemplo
deu e dá um presidente que relativiza a prática de crimes e que põe na vítima a
responsabilidade pelo crime que ela sofreu? Que exemplo deu e dá um presidente
que cortou repasses para a Educação e que despreza o trabalho de instituições
da grandeza e da importância do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional e da Fundação Nacional do Índio? Que exemplo deu e dá um presidente
que repetidamente revela quando não uma completa e inteira apatia pelo
sofrimento alheio, um grave, vergonhoso, lamentável e infame desprezo pela
vida? Que exemplo deu e dá um presidente que amiúde declara que não vai
obedecer aos ditames das leis e que faz ameaças aos pilares da democracia?
É elementar, senhor presidente
da República, saber que para quem faz Justiça com as próprias mãos, o Estado, a
presença do Estado e a autoridade do Estado simplesmente não existem. Na ausência da lei ou dito de outro modo, onde
a impunidade é reinante, a animalidade do ser humano aflora com intensa
ferocidade. Os criminosos que mataram o indigenista Bruno Pereira e o
jornalista Dom Phillips que, ironia das ironias, estava escrevendo um livro que
teria o idealista e esperançoso título de Como
salvar a Amazônia, são indivíduos que, tal qual o senhor, compartilham de ideias
retrógradas e de valores mesquinhos e que nutrem um inteiro desprezo por
qualquer forma de vida, inclusive e particularmente, pela vida humana.
Eu senti muito, eu senti
muitíssimo quando anunciaram o desaparecimento de Bruno Pereira e de Dom
Phillips porque, dado o histórico de massacres de indígenas naquela região e
dos assassinatos de defensores da floresta como Chico Mendes e Dorothy Stang,
massacres e assassinatos esses que ficaram por isso mesmo, eu pressenti que a
história não teria um final feliz.
Muita coisa de ruim nos consome e ocorre quando nós somos oprimidos e/ou reféns da criminalidade, da impunidade, da
injustiça, do desamparo, do descaso e do medo. Bruno Pereira e Dom Phillips
ingressaram numa longa lista que elenca os nomes de todos aqueles que de alguma
forma e em alguma medida lutaram em defesa dos ideais de liberdade, de justiça,
de preponderância da união e do bem comum e da vida em comunhão com o ambiente
natural no qual existimos, com o qual interagimos e do qual necessitamos. Bruno
Pereira e de Dom Phillips são agora mais dois mártires da luta pela preservação
da Floresta Amazônica. E eu tenho a firme convicção de que, quando matam um
defensor da floresta, uma grande parte dela morre junto com ele.
Viver, senhor presidente da
República, é que é uma grande, arriscada e desafiadora aventura; lutar por
ideais e causas que visam ao bem comum não é uma aventura: é um compromisso que
se assume como fundamento da própria existência.
Meus sentimentos às famílias de Bruno Pereira e de Dom Phillips.
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