18 de junho de 2022

Relato de mais uma tragédia ocorrida em tempos de barbaridades incentivadas

 Por Sierra

 


Foto: Kenzo Tribouillard/AFP
 Bruno Pereira e Dom Phillips ingressaram numa longa lista que elenca os nomes de todos aqueles que de alguma forma e em alguma medida lutaram em defesa dos ideais de liberdade, de justiça, de preponderância da união e do bem comum e da vida em comunhão com o ambiente natural no qual existimos, com o qual interagimos e do qual necessitamos. Bruno Pereira e Dom Phillips são agora mais dois mártires da luta pela preservação da Floresta Amazônica. E eu tenho a firme convicção de que, quando matam um defensor da floresta, uma grande parte dela morre junto com ele



Durante pouco mais de uma semana o Brasil que de fato celebra a vida e une forças em defesa do meio ambiente, que é uma causa e/ou deveria ser uma causa a ser defendida por toda a sociedade, porque a nossa saúde e o nosso bem-estar dependem inescapavelmente da saúde e do bem-estar da natureza, acompanhou com o coração apertado as notícias sobre o desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips no Vale do Javari, em plena Floresta Amazônica; e, ironia das ironias, eles, que eram ativistas e defensores da floresta e dos povos nativos da região, desapareceram em 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente.

Toda a angústia, todo o sofrimento e toda a perplexidade de familiares, amigos, companheiros de causa e do público em geral que não compactua com a criminalidade e nem com o imperativo da barbárie, desaguaram num caudaloso rio de lágrimas de proporções amazônicas com o trágico desfecho do caso nesta semana: Bruno Pereira e Dom Phillips foram covardemente assassinados a tiros por criminosos que pisoteiam nas leis de proteção ambiental e que fazem o que bem entendem e querem; Bruno Pereira e Dom Phillips foram brutalmente assassinados a tiros por criminosos surrupiadores das riquezas da Floresta Amazônica que fazem de tudo para se livrar de quem ousa defendê-la; Bruno Pereira e Dom Phillips foram barbaramente assassinados a tiros por criminosos que são inimigos dos índios, dos animais da floresta, dos rios e da própria vida; Bruno Pereira e Dom Phillips foram cruelmente assassinados a tiros por criminosos que debocham e vilipendiam a Justiça recorrendo a leis que eles mesmos estabelecem.

Não é de hoje que as áreas remotas da Região Amazônica são territórios sem lei. Historicamente aquele imenso e cobiçadíssimo pedaço do Brasil é cenário de ação de criminosos e de delinquentes de toda espécie que, quase sempre, agem não só contando com a precariedade da presença do Estado por lá, mas também, muitas vezes, contando com o auxílio e/ou com a conivência de agentes corruptos do próprio Estado que emitem licenças para isso e aquilo e que não acompanham o que o requerente de tal documento anda realmente fazendo. De modo que, diante desse quadro, o desmatamento e a degradação do meio ambiente amazônico, como um todo, permanecerá numa crescente constante, porque o Estado que protege e/ou que deveria proteger a região da ação de garimpeiros e pescadores ilegais, de grileiros e de fazendeiros que promovem o morticínio de índios, indigenistas e ecologistas, é o mesmo Estado que facilita a propagação de madeireiras, que certifica o contrabando e que não pune severamente e com rigor infratores que, não raro, são organizações criminosas que poluem rios, praticam pesca predatória e contrabandeiam drogas, armas e animais silvestres, impondo o terror onde elas atuam.

Deveríamos ter e, infelizmente, não nós temos, um presidente da República que se revelasse um defensor das causas do meio ambiente e da vida em si. Que exemplo deu e dá um presidente que corta verbas dos órgãos fiscalizadores e que manda transferir funcionários que se empenham em fazer cumprir a letra da lei e não se mancomunam com os criminosos? Que exemplo deu e dá um presidente que defende a exploração dos recursos naturais da Floresta Amazônica a qualquer custo, como se isso não gerasse impactos daninhos de amplo alcance e magnitude? Que exemplo deu e dá um presidente que constantemente destrata e desqualifica o trabalho de jornalistas e que menospreza ativistas de causas de minorias? Que exemplo deu e dá um presidente que apela o tempo todo para a desunião social e que promove um discurso armamentista? Que exemplo deu e dá um presidente que irresponsável e impunemente propaga notícias falsas e que desacredita dados gerados por órgãos que monitoram e fiscalizam ações de destruição do meio ambiente? Que exemplo deu e dá um presidente que relativiza a prática de crimes e que põe na vítima a responsabilidade pelo crime que ela sofreu? Que exemplo deu e dá um presidente que cortou repasses para a Educação e que despreza o trabalho de instituições da grandeza e da importância do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e da Fundação Nacional do Índio? Que exemplo deu e dá um presidente que repetidamente revela quando não uma completa e inteira apatia pelo sofrimento alheio, um grave, vergonhoso, lamentável e infame desprezo pela vida? Que exemplo deu e dá um presidente que amiúde declara que não vai obedecer aos ditames das leis e que faz ameaças aos pilares da democracia?

É elementar, senhor presidente da República, saber que para quem faz Justiça com as próprias mãos, o Estado, a presença do Estado e a autoridade do Estado simplesmente não existem.  Na ausência da lei ou dito de outro modo, onde a impunidade é reinante, a animalidade do ser humano aflora com intensa ferocidade. Os criminosos que mataram o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips que, ironia das ironias, estava escrevendo um livro que teria o idealista e esperançoso título de Como salvar a Amazônia, são indivíduos que, tal qual o senhor, compartilham de ideias retrógradas e de valores mesquinhos e que nutrem um inteiro desprezo por qualquer forma de vida, inclusive e particularmente, pela vida humana.

Eu senti muito, eu senti muitíssimo quando anunciaram o desaparecimento de Bruno Pereira e de Dom Phillips porque, dado o histórico de massacres de indígenas naquela região e dos assassinatos de defensores da floresta como Chico Mendes e Dorothy Stang, massacres e assassinatos esses que ficaram por isso mesmo, eu pressenti que a história não teria um final feliz.

Muita coisa de ruim nos consome e ocorre quando nós somos oprimidos e/ou reféns da criminalidade, da impunidade, da injustiça, do desamparo, do descaso e do medo. Bruno Pereira e Dom Phillips ingressaram numa longa lista que elenca os nomes de todos aqueles que de alguma forma e em alguma medida lutaram em defesa dos ideais de liberdade, de justiça, de preponderância da união e do bem comum e da vida em comunhão com o ambiente natural no qual existimos, com o qual interagimos e do qual necessitamos. Bruno Pereira e de Dom Phillips são agora mais dois mártires da luta pela preservação da Floresta Amazônica. E eu tenho a firme convicção de que, quando matam um defensor da floresta, uma grande parte dela morre junto com ele.

Viver, senhor presidente da República, é que é uma grande, arriscada e desafiadora aventura; lutar por ideais e causas que visam ao bem comum não é uma aventura: é um compromisso que se assume como fundamento da própria existência.

Meus sentimentos às famílias de Bruno Pereira e de Dom Phillips.

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