Por Sierra
Na última terça-feira a
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Usp) lançou na internet uma “Carta
às brasileiras e aos brasileiros em defesa do estado democrático de direito!”,
um muito bem arrazoado documento – sim, a denominemos assim, um documento –
convocando os brasileiros e as brasileiras e a todos os cidadãos de bem que
fazem este país a firmarem com suas assinaturas um compromisso em defesa da
democracia e do processo eleitoral que não cessam de ser atacados pelo atual
presidente da República que, amiúde, estimula os seus seguidores a também eles
desacreditarem as instituições e os poderes constituintes da República e as
urnas eletrônicas, disseminando notícias falsas, e a atacarem a legitimidade, a
autoridade e a honestidade de todos aqueles que as defendem.
Não é fácil lutar contra a
ignorância, porque a ignorância e os ignorantes costumam lançar mão de toda
sorte de artifícios e artimanhas para destruir os fatos e estabelecer as suas
verdades. O ignorante não é só aquele que desconhece algo por inteiro; é,
igualmente, aquele que, mesmo sendo alguém que tem um mínimo conhecimento sobre
um determinado assunto, ainda assim, se arvora de saber tudo sobre o assunto a
ponto de tratar como inverídico e falso tudo o que se diga a respeito que não seja
igualzinho ao modo como ele pensa que é e/ou deve ser. E são indivíduos com tal
índole os típicos defensores do atual mandatário deste país.
Como compreender que milhões
de pessoas apoiem um sujeito que defende pautas contrárias ao regime
democrático? Como compreender que tanta gente se identifique com um líder que
exalta torturadores e que incentiva os seus asseclas para se armarem e lutarem,
no sentido belicista do termo, contra opositores? Como compreender que tantos
indivíduos sigam alguém que diz querer o bem e o progresso do país enquanto
dissemina a discórdia, a desunião e o confronto no seio da população?
É lamentável demais que
tantos brasileiros tenham se irmanado para se alinhar a uma ideia de sociedade
alicerçada num discurso estúpido, retrógrado, autoritário, divisionista,
preconceituoso e intolerante. É por demais lastimável que tendo um passado
marcado por inúmeros exemplos de graves violações dos direitos humanos
promovidos por agentes do Estado, um passado pontuado por um regime autoritário
que assassinou e fez sumir para sempre opositores, um passado atravessado por
um ideal de sociedade que tinha qualquer coisa de uma grande fazenda onde os
animais eram seres humanos que não podiam opinar e nem dizer nada contra os
donos do gado, estejamos assistindo ao que parece ser, ao que parece ser, não,
ao que se anuncia como uma versão ainda pior da que este país conheceu e tanta
gente tenha aderido a isso como um compromisso de uma vida.
Por que essa adesão ao
autoritarismo? Por que essa opção pelo obscurantismo? Por que esse alinhamento
com um pensamento dito conservador que em linguagem muito resumida e clara
significa a manutenção de estruturas arcaicas do tipo senhor versus escravo,
autoridade versus submetido, homem versus mulher, heterossexuais versus
homossexuais, brancos versus negros? Por que essa associação com o retrocesso? Por
que essa filiação ao morticínio?
Faz quase anos que os
brasileiros que acreditam e que depositam confiança na democracia plena vêm
acompanhando, estarrecidos, os sucessivos ataques aos pilares democráticos
promovidos pela autoridade máxima do país, por alguém que deveria ser o seu
maior defensor. Faz quase quatro anos que os brasileiros que ainda continuam
confiantes num futuro feliz de nação acompanham a montagem de trincheiras sob
as vistas e contando com a anuência das Forças Armadas. Faz quase quatro anos
que, polarizada, a sociedade brasileira, de um modo geral, vem, insegura,
raivosa e desorientada, mirando um horizonte nebuloso.
Hoje, à tarde, eu assinei a tal
“Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do estado democrático de
direito!”, me unindo aos milhares de cidadãos que continuam empenhados em fazer
deste país um grande país sem promover a desunião social, sem incentivar a
desarmonia entre os poderes constituintes da República, sem massacrar e
vilipendiar as minorias, sem desprezar a educação, sem deixar de valorizar a
pluralidade cultural, sem impor crenças religiosas, sem permitir que tantos
vivam sem ter o que comer e nem onde morar e sem absolutamente abrir mão da
liberdade.
Não esperemos que o
autoritarismo e o obscurantismo se estabeleçam majoritariamente. Assinemos a Carta. Não façamos
de conta que o retrocesso e a barbárie não estão a nos espreitar. Assinemos a Carta. Não nos intimidemos. Assinemos a Carta. Não tenhamos medo. Assinemos a Carta. Não subestimemos a capacidade de cooptação e a força do atraso. Assinemos
a Carta. Não ignoremos os planos de morte que eles estão tramando para a
democracia. Assinemos a Carta.
Não é só sobre a reprovação
de um governo de viés, gosto, substância e sanha autoritários – embora só isso
seja suficientemente bastante para reprová-lo, execrá-lo e repudiá-lo. É,
sobretudo, pelo fato de ele não nos representar em nenhuma esfera de nossas vidas
e significar o solapamento da esperança do alcance de um alvissareiro, luminoso
e bom futuro.
Trevas? Nunca mais!
Ditadura? Nunca mais!
PS - Assine a Carta:https://direito.usp.br/noticia/3f8d6ff58f38-carta-as-brasileiras-e-aos-brasileiros-em-defesa-do-estado-democratico-de-direito
Nenhum comentário:
Postar um comentário