Por Sierra
Imagem: Internet
Enganadores estão em todo lugar, inclusive, dentro de nós mesmos: nós somos tanto capazes de enganar alguém como enganar a nós mesmos, o que é o terrível e aprisionador autoengano
Creio que não exista na face
da Terra um ser humano sequer que tenha escapado de ter sido enganado pelo
menos uma vez em sua vida. Ser enganado é tão certo como respirar. Do enganador
ninguém escapa. E, diz a cultura popular, até o diabo, senhor de todas as
maldades, já foi enganado.
Por mais que nos mantenhamos
atentos, nós somos enganados. Por mais que acendamos a luz da vigilância, nós
somos enganados. Por mais que nos julguemos espertos e sabidos, nós somos
enganados – a bem da verdade, os que se julgam muito espertos e sabidos são os
que mais sofrem e lamentam quando são enganados, porque eles nutrem uma firme
convicção de que jamais serão ludibriados.
Quem, por exemplo, já não
foi enganado por algum vendedor seja comprando gato por lebre, ao cair na lábia
dele, ou mesmo na hora de receber o troco? Quem já não viu a sua vida virar do
avesso por ter sido enganado por alguém que apareceu em sua porta contando algo
que nunca ocorreu a fim de lhe comover e arrancar algo precioso de você? Quem
já não lhe pediu ajuda se passando por alguém com qualidades e virtudes que
nunca e jamais teve? Quem já não foi enganado pelos próprios pais, às vezes com
coisas as mais bobas, para fazer você parar de chorar, desistir de algo ou lhe
amedrontar? Quem já não enganou alguém?
Nós ouvimos, acompanhamos e
assistimos a casos, somos vítimas de enganadores e, por mais que nos armemos e
tracemos estratégias para conseguir escapar da ação dos enganadores, em algum
momento e de alguma forma nós caímos num de seus truques ou numa de suas
armadilhas. Enganadores estão em todo lugar, inclusive, dentro de nós mesmos: nós
somos tanto capazes de enganar alguém como enganar a nós mesmos, o que é o
terrível e aprisionador autoengano.
Já experienciei situações de
enganos que eu tirei de letra, raciocinando com aquela antiga máxima que diz
que “vão-se as anéis e ficam os dedos” – nó cego é quando só se tem os dedos. Como
eu vinha dizendo, eu já fui diversas vezes enganado; e, embora de vários desses
enganos e/ou dos enganadores eu tenha, felizmente, escapado ileso, de outros eu
saí profundamente marcado, de modo que, do engano e do enganador eu jamais
esqueci – não é toda hora e não é sempre que nós conseguimos (eu, pelo menos,
não consigo) abstrair o que aconteceu e enterrar os enganadores para que eles
não apareçam mais em nossas vidas. E, não esquecer, ao mesmo tempo que nos
mantém alerta, nos martiriza, porque relembrar é, de alguma maneira, reviver o
que se passou.
Existe gente que tem um
mínimo de escrúpulos e, por conta disso, fica remorsando e revirando os
escombros das lembranças da ocasião em que enganou alguém. Isso é caso raro. Raro,
não, raríssimo. O enganador nato, digamos assim e com algum exagero, não tem
escrúpulos, remorsos, dores de consciência e nem se arrepende nunca – para mim
arrependimento só tem serventia quando marca um ponto de inflexão; a não ser
por isso, arrependimento não serve para nada. Pois bem, continuando, eu estava
dizendo que o enganador é um ser amoral e inescrupuloso que não está nem aí
para o estado e/ou situação em que deixará o enganado. O grande lance dele é
preparar a armadilha para apanhar a próxima vítima.
Uma das piores situações do
convívio social, para mim, é quando eu não posso escapar de estar no mesmo
ambiente em que se encontra alguém que me enganou. Em momentos como esse só eu
sei o quanto me controlo para não ir além – e quando eu vou – do achincalhe, do
xingamento e do desmascaramento. Não vou além disso porque eu sou um frouxo e
algo covarde. Não ultrapasso essa barreira porque prefiro acreditar que eu é
que tenho a perder e não o salafrário e não a ordinária que me sacaneou. E, em
razão disso, por vezes eu saio de cena e me calo e deixo que a criatura
continue pensando que ela é o indivíduo mais esperto que existe e viva tocando
em frente o dito de que “o mundo é dos espertos”.
Quem me conhece de muito
perto sabe que eu não sou dado à vida gregária. Confesso que eu já fui, mas foi
durante a adolescência, há muito tempo. Como se diz por aqui, isso não tem nem
mais graça. A realidade que se estabeleceu no meu convívio social, ainda na
casa dos vinte anos, foi o de uma vida que não é coletiva, que não é em bando. Isso
é definitivo? Eu não sei. O que eu sei é que tem sido assim. E o não ser
gregário não significa dizer que eu seja um misantropo. Não se trata disso. Trata-se
de uma situação que foi se estabelecendo e na qual eu venho me sentindo bem. E não
há nada melhor do que se sentir bem.
Alguém a esta altura da
leitura deve estar se perguntando: “Ora, por que essa digressão? Por que esse
cara veio agora falar de vida não gregária se o assunto é outro?”. Bem, eu
disse que minha vida tem sido muito reservada há pelo menos duas décadas, para
lembrar a algumas pessoas do meu convívio obrigatório que me enganaram, que
elas fizeram desmoronar o tanto de consideração que eu tinha para com elas; e
que fazer de conta que elas não existem é um exercício bastante salutar ao qual
eu me entreguei com enorme afinco e dedicação.
Que fique absolutamente
claro: se for para enganar, não me convidem para participar.
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