Por Sierra
Quem faz uso frequente de
transporte público de passageiros, mais especificamente de ônibus, na Região
Metropolitana do Recife, enfrenta, há muitos anos, sérios problemas, tais como atrasos
nas viagens e superlotação dos coletivos.
Tem sido repetido à exaustão
– e não só aqui em Pernambuco – que as empresas que ofertam o serviço estão
sofrendo seguidas perdas com a diminuição do número de passageiros pagantes,
como a gratuidade destinada aos idosos e pessoas com deficiências. Somem a isso
o fato de que, pelo menos na Região Metropolitana recifense, é enorme a
quantidade de pessoas que simplesmente invadem os coletivos pelas portas
traseiras e centrais, sem falar dos que entram pela porta dianteira e pulam a
catraca. Reflexo do quadro socioeconômico que o país vem enfrentando, com seus
milhões de desempregados, dirão uns. Isso pode e deve ser levado em conta, mas
não diz tudo. Várias invasões aos ônibus são praticadas por pessoas que dispõem
de cartão de passagens e que desavergonhadamente recorrem à infração seja por
desobediência ao sistema, seja por maloqueiragem pura e simples. Quem quiser
tirar a prova do que eu acabei de dizer, basta ir ao ponto de ônibus que fica
próximo à Praça São José, em Abreu e Lima, no sentido Recife/Igaraçu, por volta
das 17h30. Ali, numeroso grupo de estudantes fardados, de estudantes que
recebem um cartão de passagens, invadem os ônibus pelas portas traseiras, dando
bem a dimensão de nosso flagelo educacional e social.
Mas eu não estou escrevendo
aqui para defender o atual funcionamento do Sistema Estrutural Integrado (SEI)
que opera no Grande Recife. Perdas recentes de arrecadação não podem ser
justificativas para a prestação de um serviço ruim, sobretudo e principalmente
quando se considera que deficiências como atrasos significativos e superlotação
não são problemas só de hoje, são problemas que se arrastam há décadas, como se
eles fossem insolúveis e atemporais. Culpar o usuário infrator pelas
deficiências do serviço que é oferecido e, por conseguinte, penalizar a todos
os demais é, no mínimo, não reconhecer que o SEI, como um todo, está sendo
muito mal gerido e que os seus dirigentes parece que não têm inteira noção do
pleno funcionamento e das demandas que o constituem e que são atreladas ao
sistema.
Nesta semana os usuários que
recorreram ao Terminal Integrado de Igaraçu, que é o que eu mais frequento, se
depararam com situações e cenas lamentáveis somadas a muitas reclamações e
insatisfações. Pondo em execução o plano de instituir para todos os destinos a
chamada “integração temporal de linha”, sistema que consiste em poder embarcar
em diversos ônibus pagando uma só passagem dentro de certo limite de tempo, foi
implantado na linha Ilha de Itamaracá/Igaraçu.
Eu moro na Ilha de
Itamaracá, situada no litoral norte pernambucano, lugar que sofre desde sempre
com deficiência de transporte público de passageiros, principalmente durante a
alta estação balneária, quando cresce o número de pessoas que buscam as praias
de lá. Pois bem, saindo da ilha com destino a Igaraçu, em dias sem
engarrafamentos, chega-se a tempo de embarcar noutro ônibus sem perder a tal “integração
temporal de linha”. Acontece que, partindo de Itamaracá, muita gente vai
desembarcar em Igaraçu e embarcar ali com destino a outros terminais, de modo
que é grande a possibilidade de tais pessoas não conseguirem chegar aos seus
destinos pagando uma só passagem, como era antes da implantação da temporalidade.
E, à noite, voltando do centro do Recife, por exemplo, os usuários que residem
na cidade de Araçoiaba e na localidade Forte Orange, na Ilha de Itamaracá, onde
eu resido, e para onde os ônibus que partem do terminal de Igaraçu para lá
obedecem a intervalos fixos de quarenta minutos e de uma hora, a partir de
17h10, é muitíssimo provável que o usuário sucessivas vezes irá perder a
temporalidade “gratuita’ do embarque, porque, basta considerar o seguinte: ele
leva mais de uma hora para percorrer o itinerário do Recife até Igaraçu; e se
caso, ao desembarcar no terminal, o ônibus que ele tomaria para Araçoiaba ou
para o Forte Orange tiver acabado de sair, ele terá de esperar por mais
quarenta minutos e/ou uma hora e, claro, terá de pagar mais uma passagem.
Pagar outra passagem foi a
reclamação que eu mais ouvi lá no terminal de Igaraçu e dentro dos ônibus. Mas não
só. Muitos reclamaram que marcaram o tempo em que embarcaram inicialmente e
que, no embarque seguinte, ainda que estivessem dentro da temporalidade, a
leitora eletrônica dos cartões de passagem indicava que o tempo havia
ultrapassado as duas horas estabelecidas para aquela linha. “Quer dizer que eu
vou pagar duas passagens caras dessas, de R$ 5,60, pra voltar pra casa ou pra
ir trabalhar? Não vou mesmo”, disse um. “Eles tão pensando o que, que a gente
vai pagar caro que só a gota e dobrado pra andar nuns ônibus lotados?”, disse
outra. “Por que não botam mais ônibus pra gente pegar. Botem mais ônibus que aí
sim dá tempo”, disse um. “Eu vou é pular a catraca. Não quero nem saber. Esse pessoal
só quer explorar a gente, só quer lascar o pobre”, disse outra.
Na última segunda-feira, à noite, em meio a reclamações, revolta, xingamentos e incompreensão por causa da “integração temporal de linha”, eu assisti ao seguinte episódio no terminal de Igaraçu, no ponto de embarque para a Ilha de Itamaracá: um homem embarcou pela dianteira e pulou a catraca; fiscais entraram no coletivo e tentaram retirar o indivíduo dizendo que ele agira errado; como o rapaz ignorasse os apelos, os fiscais chamaram uma guarnição da Polícia Militar e os policiais, sob protestos e palavras de ordem contra aquela situação – “Isso tá errado” e “O rapaz é um trabalhador” foram algumas das expressões ditas no calor do momento -, retiraram o homem do ônibus. Já na terça-feira, no final da tarde, os fiscais fizeram uma mulher desembarcar. Na quinta-feira, o ônibus das 18h40, do Forte Orange, atrasou mais de vinte minutos. Houve uma gritaria. E, por conta disso, os fiscais liberaram o embarque pela porta do meio porque o espaço temporal do sistema já havia sido ultrapassado.
Um funcionário do Consórcio
Conorte – o consórcio opera as linhas do terminal de Igaraçu que atendem
diversas cidades -, pedindo para não ser identificado, me falou o seguinte: “Eles
estão acabando com o sistema de integração e vocês não estão percebendo”. É,
ele deve estar certo, afinal, não parece fazer sentido a manutenção de um
sistema cujo atrativo, apesar de tudo, era proporcionar ao usuário o embarque
em inúmeros ônibus, dentro dos terminais, pagando uma só passagem, se, agora,
caso ele extrapole um tempo X, terá de pagar novamente a tarifa para completar
a sua viagem.
Somem à insatisfação com o alto custo dos valores das passagens aos atrasos e superlotações dos coletivos, às obras intermináveis que se arrastam há anos no terminal de Igaraçu, repleto de buracos, cercas danificadas e pombos aninhados nos telhados defecando sobre os passantes e sujando tudo e aos queixumes contra o estabelecimento da “integração temporal de linha” e aí se compreende bem e em toda a sua inteireza, o tamanho do sufoco e do martírio que é a vida dos dependentes do sistema de transporte público de passageiros que vigora na Região Metropolitana do Recife, um sistema repleto de problemas e deficiências indiscutivelmente atemporais.
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