Por Sierra
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Foto: Arquivo do Autor O ônibus que quebrou defronte à UPA de Igaraçu: na rotina diária das viagens em transporte público de passageiros, por vezes nós vivenciamos experiências muito desagradáveis |
Pelo menos nas linhas que eu
tomo para ir ao trabalho, as segundas-feiras costumam ser muito concorridas. Os
ônibus, nesse dia, normalmente vão mais lotados do que nos outros dias, porque,
no meu caso, em particular, várias são as pessoas que passaram o fim de semana
na Ilha de Itamaracá, onde eu moro, e, na segunda-feira, logo cedo, voltam para
as suas casas e para os afazeres; e também tem aqueles que moram na ilha e
trabalham bem distantes dela e que vão para os seus serviços nas segundas-feiras
e só retornam nas sextas-feiras.
Na última segunda-feira eu,
como de costume, embarquei na ilha e peguei um lugarzinho para sentar, lá atrás
– nos fundos, na cozinha do ônibus, como dizem alguns -, e me agarrei com um
livro, o que costuma ser a melhor e a mais prazerosa parte da viagem.
Quando eu desembarquei no
terminal de Igaraçu para fazer a baldeação rumo a Abreu e Lima, no que costuma
ser a pior e mais lamentável parte da viagem, a fila estava enorme, gigantesca.
E nada de um ônibus da linha Igaraçu/Macaxeira aparecer para ao menos diminuir
o número de usuários do transporte público que se encontravam ali e aplacar a
angústia de quem temia chegar atrasado aos seus destinos.
O tempo foi passando. E nem
sinal de ônibus daquela linha, enquanto os de outras saíam em intervalos de
poucos de poucos minutos. Uma senhora começou a reclamar, em alta voz, falando
em direção ao local onde ficam os fiscais do sistema Grande Recife e os
controladores dos coletivos do consórcio Conorte: “Cadê os ônibus? Libera os
ônibus, fiscal! A gente tem de aguentar isso, é?”. A senhora disse isso pelo
menos três vezes.
Lá pelas tantas e, enfim,
chegaram logo dois ônibus. E eu, de novo, consegui um lugarzinho lá nos fundos;
e retomei a minha leitura, a leitura de mais um livro. E tudo foi seguindo na
mesmíssima e desassossegada rotina cotidiana frequentemente vista em coletivos:
muita gente de pé; estudantes a conversar com aquele entusiasmo muito próprio
dos tempos das descobertas; indivíduos como que hipnotizados pelas telas dos smartphones; outros escolhendo e ouvindo
músicas em alto volume como se só eles estivessem ali; empregadas domésticas
contando de seus afazeres e de viagens de seus patrões... De repente o ônibus
parou, estancado, defronte à Unidade de Pronto Atendimento (UPA), ainda em
Igaraçu. O motorista tentou dar partida algumas vezes e nada.
Inconformados – e uns e
outros proferiram xingamentos como “Só botam ônibus com problemas pra rodar
nesta linha” e “Eu mereço passar por isso nesse ônibus de corno” – nós não tivemos
escolha além de desembarcar e aguardar a vinda de outro coletivo para que
pudéssemos chegar aos nossos destinos.
De pronto eu fotografei o cenário e despachei,
via WhatsApp, mensagem para o meu
chefe informando que eu chegaria atrasado ao trabalho.
Não foi fácil embarcar no
ônibus que apareceu que, de cheio, passou a ficar superlotado com a presença de
quase todos os que conseguiram subir nele. Eu, que estivera sentadinho e lendo
o meu livro, tive de amargar seguir viagem de pé e no aperto. Dos males o
menor: o importante era que a viagem estava sendo retomada; e que nós seguíamos
para cumprir as nossas tarefas e compromissos do dia.
Mas aquela viagem ainda me
reservaria outro atropelo, outro dissabor, outra coisa ruim. Cinco paradas
depois do ponto onde o ônibus anterior estancara, subiu um deficiente visual
parrudo, negro e alto que eu já vira outras vezes naquele trajeto. O motorista
chegou a pedir, ainda antes do embarque, que ele fosse lá para trás, entrando
pela porta do meio, porque aquele espaço ali entre a catraca e a porta de
embarque dianteira, estava lotado. Ele não deu ouvidos ao condutor. E subiu,
certamente seguro de que alguém lhe cederia um dos assentos. Ocorreu que senhorinhas
idosas estavam ocupando os tais assentos prioritários; e nenhuma delas, naquele
aperto e naquele incômodo danado, se dispôs a ceder o lugar a ele. E aí o temo
fechou dentro do ônibus.
Com uma empáfia e com uma
fúria própria dos que se julgam injustiçados e prejudicados de alguma forma, o
deficiente visual começou a xingar uma das senhorinhas que estava sentada na
cadeira junto da qual ele se encostou. Foi uma das maiores demonstrações de
estupidez e de covardia praticada contra uma mulher que eu já presenciei em
toda a minha vida. Posando o tempo todo de vítima e como se fosse detentor de
todos os direitos do mundo, o ignóbil e mal-educado deficiente visual só não
chamou a senhorinha de arroz doce: “Você não é idosa coisa nenhuma”; “Pensa que
Deus gosta de quem faz maldade é?”; Você não presta”; “Tua vida vai acabar hoje”;
“Coisa ruim”; “Desgraçada”; etc., etc. A senhora estava calada e calada ficou.
Nisso, pessoas lá de trás começaram a rebater o homem, dizendo que ele deveria
respeitar a senhorinha; que o ônibus estava lotado; que ele estava agindo
errado; etc., etc. Desembarquei antes do deficiente visual; e não sei como foi
o desfecho do lamentável episódio.
Viagens em transporte
público de passageiros por vezes nos reservam algumas muito desagradáveis
experiências.
Estou até agora remoendo a minha inação diante do ocorrido.
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