Por Sierra
Foto: Arquivo do Autor
Dentro do ônibus ontem, quando o coletivo deu uma boa esvaziada e o pessoal envolvido na disputa por um assento já havia desembarcado
Eu compreendo perfeitamente quando algumas pessoas se dirigem a mim dizendo que não suportam mais sequer pensar em voltar a andar de ônibus, porque enfrentar o busão diariamente é mesmo uma batalha que por vezes nos reserva inúmeros dissabores. O cidadão além de pagar uma passagem cara tem de suportar coletivos superlotados, ônibus que não passam no horário programado, gente mal-educada, motoristas arrogantes e outros tantos estressados e passageiros que parecem ter um rei na barriga e que talvez não saibam que o ônibus é co-le-ti-vo e não deles.
É claro que nem tudo são
espinhos no uso dos ônibus do sistema de transporte público de passageiros. Para
mim é uma maravilha quando eu embarco no tempo previsto, consigo um assento e
faço a viagem na maior tranquilidade lendo um livro, vendo coisas no telefone
ou trocando figurinhas com alguém. De verdade, para mim é algo muito cômodo
dispor de um meio de transporte que vai me levar – e me trazer - para o
trabalho, para as compras, para o lazer, etc. O nó da questão, o grande
problema do sistema é o passageiro viver dia após dia viajando de um lugar para
o outro espremido em ônibus superlotados. Não aprendi a dirigir nada e nem
tenho dinheiro para ficar a todo tempo pegando carros de aplicativos, então, eu
vou e volto de busão.
Ontem, quando eu voltava do
Recife cansado e satisfeito pelo que eu fizera em andanças pela capital –
comprara livros e dvd’s, revira lugares e gente conhecida – e me encontrava num
coletivo sentadinho, lá nos fundos de um ônibus da linha Igaraçu/Dantas
Barreto, ora lendo, ora trocando figurinhas com um simpático Felipe,
abreulimense da gema - assim como eu, nascido no hoje inexistente Hospital e
Maternidade São José - que faz serviços elétricos para a rede de lojas Narciso,
quando teve início um buruçu, um bate-boca por causa de um assento.
Foi assim: o ônibus já
estava cheio antes mesmo de deixar o perímetro urbano do Recife, ou seja, ainda
não passara pelos dois terminais que ficam ao longo da PE-15 – o de Olinda e o
de Paulista -, onde costuma embarcar uma multidão naquele horário – eram mais de
17h. Uma mulher comentou que alguém poderia ceder um assento para outra que
estava de pé acompanhando o filho especial que se encontrava sentadinho num
batente e que, segundo ela, ia ficar “espremido” quando passássemos por aqueles
terminais. Nisso, uma moça lá dos fundos, onde eu me encontrava, ofereceu seu
lugar; e foi aí que a confusão realmente teve início. Ao ouvir a moça chamar a
mãe com o filho, uma mulher na casa dos seus 40 e poucos anos deu brabo
dizendo:
- Eu tô na vez.
- Mas, senhora, é pra mulher
que está com a criança, disse a que queria ceder o assento.
- Não quero saber. Não tem
isso de guardar lugar, não...
- Tá bom, tá bom, deixa ela
se sentar. A gente não vai brigar por causa disso, não, disse aquela que falara
primeiro.
A mulher ranzinza continuou
falando sozinha, virada na gota serena:
- Todo mundo aqui pagou
passagem. Eu tô cansada e com os joelhos que só vendo. Quem já viu isso de
guardar lugar? A gente paga passagem, mas não tem lugar garantido não. Se a
criança é especial por que eles não ficaram lá na frente?...
Uma gaiata soltou esta:
- Gente, hoje não é dia de
brigar não. Hoje é dia de fazer amor, de meter, de passar o barbeador no
azulejo. (Eu não sei o que é “passar barbeador no azulejo”. Deve ser depilar a
vagina.)
- Ela não sabe o que é isso
não, disse alguém se referindo à ranzinza.
A coisa ficou nessa toada e
nesse impasse: a moça querendo ceder o lugar e a mulher ameaçando sentar porque
era a “vez” dela.
E o que se deu foi que,
antes que chegássemos ao terminal de Olinda, um homem na casa dos seus 30 e
poucos anos e que, ao que pareceu, era o pai da criança autista, truculentamente
encostou suas costas às costas da mulher da “vez”, fazendo uma barreira, e
disse mais ou menos assim:
- Vem. Quero ver se vai ter
alguma coisa.
E a mãe se sentou com a
criança.
A mulher que estava de pé
ainda resmungou e reclamou da truculência do rapaz, mas acabou se calando. Ela se
calou, porém outras pessoas se puseram a falar.
- É preciso se colocar na
posição do outro, disse a que cedeu o lugar.
- Poderia ser com qualquer
um que estivesse precisando aqui, afirmou outra.
- Tem gente que sai de casa
virado no cão dos infernos e quer descontar nas pessoas, retrucou um rapaz que
aproveitou o momento para contar a ocasião em que, por causa de uma freada
brusca, bateu sem querer num cara que não aceitou o pedido de desculpas e ficou
a resmungar e ele, irritado com isso, jogou uma latinha de alumínio bem amassada
no indivíduo, quando o sujeito desembarcou do ônibus: - Vem agora me pegar se
tu é macho, ele disse que bradou para o homem.
E assim foi que eu sobrevivi
a mais uma odisseia em embarques e desembarques, em idas e vindas dentro de
ônibus atravessando parte Região Metropolitana do Recife. Ufa!
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