15 de abril de 2023

Crônicas de ônibus (XI)

 Por Sierra

 

Foto: Arquivo do Autor
Dentro do ônibus ontem, quando o coletivo deu uma boa esvaziada e o pessoal envolvido na disputa por um assento já havia desembarcado


Eu compreendo perfeitamente quando algumas pessoas se dirigem a mim dizendo que não suportam mais sequer pensar em voltar a andar de ônibus, porque enfrentar o busão diariamente é mesmo uma batalha que por vezes nos reserva inúmeros dissabores. O cidadão além de pagar uma passagem cara tem de suportar coletivos superlotados, ônibus que não passam no horário programado, gente mal-educada, motoristas arrogantes e outros tantos estressados e passageiros que parecem ter um rei na barriga e que talvez não saibam que o ônibus é co-le-ti-vo e não deles.

É claro que nem tudo são espinhos no uso dos ônibus do sistema de transporte público de passageiros. Para mim é uma maravilha quando eu embarco no tempo previsto, consigo um assento e faço a viagem na maior tranquilidade lendo um livro, vendo coisas no telefone ou trocando figurinhas com alguém. De verdade, para mim é algo muito cômodo dispor de um meio de transporte que vai me levar – e me trazer - para o trabalho, para as compras, para o lazer, etc. O nó da questão, o grande problema do sistema é o passageiro viver dia após dia viajando de um lugar para o outro espremido em ônibus superlotados. Não aprendi a dirigir nada e nem tenho dinheiro para ficar a todo tempo pegando carros de aplicativos, então, eu vou e volto de busão.

Ontem, quando eu voltava do Recife cansado e satisfeito pelo que eu fizera em andanças pela capital – comprara livros e dvd’s, revira lugares e gente conhecida – e me encontrava num coletivo sentadinho, lá nos fundos de um ônibus da linha Igaraçu/Dantas Barreto, ora lendo, ora trocando figurinhas com um simpático Felipe, abreulimense da gema - assim como eu, nascido no hoje inexistente Hospital e Maternidade São José - que faz serviços elétricos para a rede de lojas Narciso, quando teve início um buruçu, um bate-boca por causa de um assento.

Foi assim: o ônibus já estava cheio antes mesmo de deixar o perímetro urbano do Recife, ou seja, ainda não passara pelos dois terminais que ficam ao longo da PE-15 – o de Olinda e o de Paulista -, onde costuma embarcar uma multidão naquele horário – eram mais de 17h. Uma mulher comentou que alguém poderia ceder um assento para outra que estava de pé acompanhando o filho especial que se encontrava sentadinho num batente e que, segundo ela, ia ficar “espremido” quando passássemos por aqueles terminais. Nisso, uma moça lá dos fundos, onde eu me encontrava, ofereceu seu lugar; e foi aí que a confusão realmente teve início. Ao ouvir a moça chamar a mãe com o filho, uma mulher na casa dos seus 40 e poucos anos deu brabo dizendo:

- Eu tô na vez.

- Mas, senhora, é pra mulher que está com a criança, disse a que queria ceder o assento.

- Não quero saber. Não tem isso de guardar lugar, não...

- Tá bom, tá bom, deixa ela se sentar. A gente não vai brigar por causa disso, não, disse aquela que falara primeiro.

A mulher ranzinza continuou falando sozinha, virada na gota serena:

- Todo mundo aqui pagou passagem. Eu tô cansada e com os joelhos que só vendo. Quem já viu isso de guardar lugar? A gente paga passagem, mas não tem lugar garantido não. Se a criança é especial por que eles não ficaram lá na frente?...

Uma gaiata soltou esta:

- Gente, hoje não é dia de brigar não. Hoje é dia de fazer amor, de meter, de passar o barbeador no azulejo. (Eu não sei o que é “passar barbeador no azulejo”. Deve ser depilar a vagina.)

- Ela não sabe o que é isso não, disse alguém se referindo à ranzinza.

A coisa ficou nessa toada e nesse impasse: a moça querendo ceder o lugar e a mulher ameaçando sentar porque era a “vez” dela.

E o que se deu foi que, antes que chegássemos ao terminal de Olinda, um homem na casa dos seus 30 e poucos anos e que, ao que pareceu, era o pai da criança autista, truculentamente encostou suas costas às costas da mulher da “vez”, fazendo uma barreira, e disse mais ou menos assim:

- Vem. Quero ver se vai ter alguma coisa.

E a mãe se sentou com a criança.

A mulher que estava de pé ainda resmungou e reclamou da truculência do rapaz, mas acabou se calando. Ela se calou, porém outras pessoas se puseram a falar.

- É preciso se colocar na posição do outro, disse a que cedeu o lugar.

- Poderia ser com qualquer um que estivesse precisando aqui, afirmou outra.

- Tem gente que sai de casa virado no cão dos infernos e quer descontar nas pessoas, retrucou um rapaz que aproveitou o momento para contar a ocasião em que, por causa de uma freada brusca, bateu sem querer num cara que não aceitou o pedido de desculpas e ficou a resmungar e ele, irritado com isso, jogou uma latinha de alumínio bem amassada no indivíduo, quando o sujeito desembarcou do ônibus: - Vem agora me pegar se tu é macho, ele disse que bradou para o homem.

E assim foi que eu sobrevivi a mais uma odisseia em embarques e desembarques, em idas e vindas dentro de ônibus atravessando parte Região Metropolitana do Recife. Ufa!

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