Por Sierra
Fotos: Arquivo do Autor Em certa medida, instituições como museus, galerias de arte, bibliotecas públicas e teatros não apenas revigoram as cidades como as tornam mais interessantes e atrativas |
Caso os gestores públicos e
os administradores das cidades compreendessem a dimensão do bem que as
instituições culturais provocam nos espaços onde eles são instalados, tratariam
não só eles mesmos de implantá-los como também estimulariam que a iniciativa
privada investisse nesse segmento.
Em certa medida,
instituições como museus, galerias de arte, bibliotecas públicas e teatros não
apenas revigoram as cidades como as tornam mais interessantes e atrativas. As
instituições culturais, a meu ver, potencializam dinâmicas sociais e nos tornam
mais apegados aos territórios que as encerram, porque elas enriquecem lugares e
lhes dão pujança vital não necessariamente econômica, mas vital no sentido de
vida mesmo, de agregar pessoas em torno de valores artísticos e humanos,
fazendo com que nos enriqueçamos também. Compreendo que essas instituições
existem normalmente como eixos integradores que possibilitam alimentar e/ou
manter acesa nas pessoas que as buscam, um interesse por aprender mais, por
querer entender o mundo ao seu redor e até, quem sabe, principiar um contato
com temas como memória e preservação patrimonial.
Normalmente e talvez por um
interesse particular, quando eu visito instituições como um museu, costumo
observar como outros visitantes interagem com o que está exposto ali e com o
próprio espaço em si. A mim me interessa muito ficar captando isso, porque eu
procuro interpretar padrões de comportamento frente à disposição que levou a
pessoa a ir até aquele ambiente, até aquele espaço. Creio que o modo como nos
comportamos durante uma visita a uma exposição, por exemplo, diz muito de nós
no sentido de, digamos, atestar se temos ou não um real e vivo interesse por
frequentar espaços dessa natureza; ou se, por vezes, somente os frequentamos
levados por nada mais do que uma mera curiosidade; ou, então, fomos parar ali
porque estávamos simplesmente fazendo companhia a alguém num passeio, como se ambientes e recintos como esses não nos tocassem efetivamente por si sós.
Como eu já escrevi noutra
ocasião, eu costumo visitar instituições culturais nas cidades que busco
conhecer. E as visito com um duplo interesse: ver o que está sendo exposto e/ou
o que existe ali; e observar as condições gerais do espaço, dado que a questão
da preservação é algo que é superimportante para mim, porque me diz da
precariedade de manutenção do equipamento cultural ou então o zelo e
comprometimento para com a conservação da coisa em si.
Na minha segunda visita à
capital sergipana, ocorrida em dezembro de 2017, eu tomei conhecimento de que o
antigo e bonito prédio localizado na Praça General Valadão, no qual no passado
funcionou a Alfândega, fora inteiramente restaurado e revitalizado para abrigar
o chamado Centro Cultural de Aracaju. E na tarde do dia 12 daquele mês, lá fui
eu conhecer a nova atração da cidade.
Logo que eu fui entrando
naquele espaço, que estava tinindo de novo, eu fiquei impressionado com o esmero
do processo de restauração por que passara aquele edifício; mirei detalhes de
sua arquitetura; vi o zelo para com a recepção dos visitantes e pensei cá com
os meus botões: “Que bom seria se tudo isso continuasse conservado e bem
cuidado do jeito que está”.
E, em companhia de outras
pessoas que chegaram para também conhecer aquele equipamento cultural, eu fui
guiado pelos monitores Patrícia Coutinho e Acássio Kléverton, pelas várias
salas e dependências abertas ao público.
Fazendo jus ao nome de
centro cultural, ele abriga, em seu amplo espaço, diversos equipamentos e
ambientes nos quais diferentes formas de arte e cultura podem ser encontradas
e/ou exibidas. Existem lá, por exemplo, uma Biblioteca Mario Cabral, um Teatro
João Costa, uma Sala de Exibição Orlando Vieira, um Museu da Cidade de Aracaju
Prefeito Viana de Assis e uma Sala da Cultura Popular Mestre Euclides, repleta
de mamulengos, brinquedos populares como carros de madeira, bonecas de pano,
manés-gostosos, petecas e piões, que são um verdadeiro encanto.
Outro espaço imperdível que se
encontra ali é a área onde está exposto o famoso e popularíssimo carrossel do
Tobias ou parte do que restou dele. Conta-se que o brinquedo, fabricado nos
Estados Unidos, provavelmente no último quartel do século XIX, foi montado
primeiramente no Recife e em Maceió, e chegou à capital sergipana em dezembro de
1904, em pleno período da belle époque.
Instalado na Praça Olímpio Campos, ao lado da Catedral Metropolitana, o
carrossel do Tobias animou gerações durante décadas. Ele era originalmente
imenso e podia comportar mais de uma centena de pessoas. Adornado pelo
personagem de um homem negro, possuía um apito cujo som podia ser ouvido de
vários pontos da cidade. Devia ser mesmo muito legal. O pernambucano Mário Sette descreveu o funcionamento de um desses imensos brinquedos nas páginas de um dos seus livros mais conhecidos sobre o Recife de antigamente:
[...] Deu sorte, igualmente, a praça da República na epoca em que o ator Lira explorou, ali, um carroussel mecanico, o primeiro visto no Recife, talvez. Deu sorte não tanto pela novidade do engenho, porém pelas cenas brejeiras e pecaminosas desenroladas depois das 9 horas da noite. "Depois da 9", então, no Recife, resumia um mundo de cousas proibidas e maliciosas. Porque, os moços de familia raramente gosavam permissão para ficar na rua após esse limite. A ceia, a cama e a vigilancia paterna os esperavam em casa. Batendo o sino de Santo Antonio [ devia ser o sino da Matriz do Santíssimo Sacramento de Santo Antônio, na área central do Recife] era uma verdadeira corrida para os lares. Como nos tempos da escravidão, os "cabeças sêcas" não podiam demorar mais por fóra.
O carroussel atraía até 10 e 11 horas boemios, viciados, mulheres. Rodavam todos os cavalinhos de páo ao som de fanhoso realejo aparentemente movido por um boneco de cara preta e roupa vermelha (Mário Sette. Maxambombas e maracatus. 2ª ed. Recife: Editores Rodolpho & Pereira, 1938, p. 214).
O único senão que eu fiz ao
visitar o Centro Cultural de Aracaju foi com relação ao Museu da Cidade que
existe nele. A mim me pareceu que o seu acervo era muito pobrezinho, muito
acanhado e, como tal, verdadeiramente não punha a descoberto e nem exibia com
abrangência a história e a memória urbana da capital sergipana. Afora isso,
tudo o mais que eu vi ali me encheu de entusiasmo e me deu confiança de que
políticas de preservação do patrimônio edificado podem ser levadas a cabo pelo
poder público e pela iniciativa privada com vistas a manter uma cidade viva.
Assim como o carrossel do Tobias que lá se encontra, um prédio antigo também
pode participar efetivamente da memória afetiva das pessoas, bem como uma
praça, uma escultura e uma infinidade de outros equipamentos de uma cidade.
Para finalizar eu queria
lembrar aqui uma expressão utilizada pelo historiador francês Marc Bloch, no
seu livro Apologia da História ou Ofício
de historiador, para destacar o diálogo permanente que é mantido entre o
presente e o passado. Bloch nos disse que existe uma “solidariedade das épocas”.
Não é bonito isso? É bonito e preciso. Dito isso, penso que espaços como o
Centro Cultural de Aracaju fazem com que continuemos dialogando com o passado
porque, como bem lembrou aquele historiador, “A incompreensão do presente nasce
fatalmente da ignorância do passado” (Marc Bloch. Apologia da História ou Ofício de historiador. Trad. André Telles.
Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 665 ambas as citações). O Centro Cultural de
Aracaju vale a pena sim ser visitado.
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