Por Sierra
Fotos: Arquivo do Autor O Museu de Arte Sacra está instalado na parte esquerda do prédio eclesiástico, que aparece em destaque na fotografia abaixo |
Nesta e nas duas imagens seguintes, registros de outros aspectos da Praça São Francisco, Patrimônio Cultural da Humanidade |
Num artigo publicado pelo número inaugural da Revista de Museologia, Antonio Augusto Arantes destacou que “através dos objetos conservados e transmitidos às gerações posteriores, se estabelece um contato físico, afetivo, sensorial e cognitivo tanto com o passado, enquanto lugar de acontecimentos ancestrais, como com os significados que se foram imprimindo ao longo do processo histórico. Desse modo, através da transmissão hereditária e das várias formas de reapropriação dos objetos antigos por parte das sucessivas gerações, criam-se laços com o passado e se dá substância concreta ao que denominamos tradição” (Antonio Augusto Arantes. “A preservação de bens culturais como prática social”. In Revista de Museologia. São Paulo: Instituto de Museologia de São Paulo/FESP, 1989 – vol 1 – nº 1, p. 13. Grifos do autor).
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Nossa Senhora da Boa Morte Esta e as imagens seguintes que ilustram o texto são de autoria e fazem parte do catálogo Museu de Arte Sacra de Sergipe, citado no texto |
Dentro de uma abordagem ampla, Antonio Augusto Arantes discutiu em sua narrativa a preservação também do patrimônio histórico edificado, conferindo ao seu texto um título que eu considero como uma verdadeira profissão de fé para todo aquele que acredita que preservar, salvaguardar, proteger, valorizar e difundir o patrimônio histórico, artístico e cultural é e/ou deveria ser uma prática não apenas tomada como política e dever de Estado, mas também de todos e de cada uma de nós, porque o patrimônio diz respeito a todos nós, porque o patrimônio é o registro da nossa História, porque, enfim, o patrimônio é o retrato de quem somos enquanto nação.
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Fuga para o Egito |
É sempre por uma perspectiva
de conhecimento e de preservação que eu busco visitar instituições culturais
que se ocupam de salvaguardar a memória do país. E, quando eu trato de
compartilhar, como estou fazendo agora, experiências vivenciadas em tais lugares
de memória, digamos assim, eu faço isso esperando que de algum modo a minha
vivência, o meu olhar e o meu interesse sobre a coisa preservada possa
despertar nos leitores que me encontram, nem que seja a intenção de um dia
desses ir visitar tal museu, tal centro cultural, tal biblioteca, tal instituto de pesquisa, etc., de certa maneira
imbuído da essência da preservação do patrimônio, que eu compreendo que é o seu
conhecimento e a sua valorização, porque, eu acredito, a prática
preservacionista se dá fundamentalmente quando conhecemos e valorizamos o
patrimônio seja ele material ou imaterial.
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Sala do arcaz, que é este móvel à direita |
Na manhã do dia 12 de
dezembro de 2017 eu deixei o hotel onde em encontrava hospedado, em Aracaju, e
segui de ônibus para ir conhecer a antiga cidade de São Cristóvão e o seu
famoso Museu de Arte Sacra. Eu, caro leitor, que não creio no sobrenatural,
tenho um fascínio imenso pela chamada arte sacra, sobretudo pelas esculturas e
pelos oratórios.
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Turíbulos e cálice |
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Naveta e cálice |
Fruto de um esforço amplo e
coletivo o Museu de Arte Sacra de São Cristóvão (MASC) é um desses roteiros
imperdíveis que o turista, o viajante e o próprio morador da cidade não devem
deixar de conhecer sob pena de privar-se de um desses instantes de encantamento
que por vezes experimentamos e que enchem nossas vidas de algo muito
maravilhoso e especial.
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São José, Santana Mestra e São Joaquim |
Criado por um convênio
celebrado em 14 de abril de 1974 entre o Governo do Estado de Sergipe, na
ocasião em que era governador Paulo Barreto de Menezes, a Universidade Federal
de Sergipe, na pessoa do reitor Luiz Bispo e por Dom Luciano Cabral Duarte,
então Arcebispo da Arquidiocese de Aracaju, o MASC tornou-se a realização
concreta da ideia de Dom Fernando Gomes, 2º Bispo de Aracaju, que se preocupava
com o desaparecimento contínuo e em grande quantidade do acervo sacro de
Sergipe: “Por isso, ainda no final de década dos anos 50, o Monsenhor
Esperidião Góis, no Seminário de Aracaju, dando concretude a (sic) ideia de seu
Bispo, passou a reunir, como resultado de doações, numerosas imagens e outros
objetos sacros antigos”, segundo registros feitos por Eurico Amado no prefácio
que integra o pequeno e esclarecedor catálogo Museu de Arte Sacra São Cristóvão (Eurico Amado. “Museu de Arte
Sacra de São Cristóvão” [prefácio]. In Museu
de Arte Sacra São Cristóvão – SE. s. l.: Museu de Arte Sacra, s. d., p. 13.
Provavelmente o ano de publicação foi 1984, data assinalada ao fim do
prefácio).
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Escudo da Ordem Franciscana |
Não bastasse o rico e admirável acervo composto por centenas de peças – imagens, alfaias, móveis, etc. –, o MASC foi instalado nas dependências da antiga Ordem Terceira Franciscana, ala direita do Convento Bom Jesus, nome oficial do Convento de São Francisco, uma construção monumental que, segundo Eurico Amado, começou a ser erguida em 1658, tendo sido o convento fundado no ano anterior por Frei Luiz do Rosário, frade franciscano português. O convento que, através dos tempos serviu como igreja, claustro, tesouraria geral, assembleia provincial e que, em maio de 1897, aquartelou as tropas do general Cláudio do Amaral Gavaget, que estavam a caminho de Canudos (Thereza Regina de Camargo Maia. "Legendas". In Tom Maia, José Anderson Nascimento e Thereza Regina de Camargo Maia. Sergipe del Rei. São Paulo: Ed. Nacional; Rio de Janeiro: EMBRATUR, 1979, p. 90 e 92), integra o conjunto arquitetônico que compõe a Praça São Francisco, reconhecida, em 2010, pela Unesco, como Patrimônio Cultural da Humanidade.
Eis como Eurico Amado descreveu
o Convento de São Francisco e o ambiente no qual ele foi levantado:
A
arquitetura, de linhas retas, sóbria, é característica das edificações da ordem
de São Francisco. O resultado é uma incrível sensação simultânea de leveza e
estabilidade.
Para
quem olha a praça de frente, o perfil do Convento domina todo o fundo e
impõe-se sobre a paisagem que se espraia, em baixo (sic), na moldura das largas
dimensões da planície (Eurico Amado. Op. cit. p. 12).
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Senhor dos Passos |
Quando visitou São Cristóvão dentro do seu longo itinerário de estudos e registros fotográficos com vistas à elaboração do grandioso livro Nordeste histórico e monumental, o incansável e brilhante crítico de arte e escritor baiano Clarival do Prado Valladares foi todo elogios ao Museu de Arte Sacra da cidade e especialmente a um "livro" elaborado pela Irmã Wilma Alves de Souza - "Seu catálogo, embora folheto, não é catálogo. É, em verdade, um dos mais bem feitos livros brasileiros sobre arte sacra e religiosa". Sobre o MASC ele anotou assim:
A Diocese de Sergipe soube enfatizar a cidade-relíquia encastoando o museu na restaurada Ordem Terceira de São Francisco, que é bastante ampla, sem ser gigantesca. parece a moldura encomendada para guardar a remanescência do cimélio católico sergipano, ali preservado, procedente de várias igrejas dilapidadas por quase um século (Clarival do Prado Valladares. Nordeste histórico e monumental (s. l., Construtora Norberto Odebrecht, 1983, p. 38).
Caso você, leitor, seja do tipo que gosta de fotografar os lugares que visita, eu vou logo avisando que o MASC, pelo menos na ocasião em que eu o visitei, não autorizava a feitura de registros fotográficos. Aproveite então para imergir por completo no ambiente e apreciar detalhes não somente dos objetos expostos como também aspectos da construção eclesiástica que são realmente fascinantes, como revelam algumas imagens que eu reproduzi aqui; imagens essas que integram o catálogo Museu de Arte Sacra de Sergipe, lançado em 1991 sob o patrocínio da Fundação Banco do Brasil dentro ainda das comemorações do IV Centenário da Fundação da Cidade de São Cristóvão, completado no ano anterior.
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Nossa Senhora da Conceição |
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São Joaquim |
Costumo dizer que visitar um museu é entrar numa verdadeira máquina do tempo. Caso você esteja planejando ir conhecer Aracaju, a atual capital de Sergipe, vá também a São Cristóvão, que foi a primeira capital sergipana, e visite o Museu de Arte Sacra da cidade, um lugar onde a preservação do patrimônio é uma exaltação da memória nacional em seu sentido mais amplo, preciso e entusiasmador, porque feito com muito esmero e dedicação.
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