24 de fevereiro de 2024

Repúdio ao infanticídio

 Por Sierra




Imagem: Internet
Os casos de infanticídio ocorridos nos últimos dias na Ilha de Itamaracá tanto quanto expuseram as disputas de tráfico de drogas, deixaram ver que a banalidade do mal tira a vida até de seres inocentes e indefesos



Não há ódio. Não há força bruta. Não há revolta. Não há disputa. Não há inconformidade. Não há incompreensão. Não há calamidade. Não há dificuldade. Não há beligerância. Não há nada que faça com que eu aceite como coisa natural ou fatalidade os casos de assassinatos de crianças. Acredito que a maioria das pessoas pensa assim, porque todos nós enxergamos as crianças como seres indefesos contra os muitos males que existem no mundo, males no mais das vezes criados e propagados por nós, adultos; e reconhecemos que é preciso protegê-las de todas as formas que forem possíveis.

A fala algo equivocada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a respeito da ação que Israel vem há semanas mantendo na Faixa de Gaza lançou o olhar de parte da imprensa para uma questão crucial dessa guerra: a morte de milhares de pessoas, em geral, e de milhares de crianças, em particular, que vêm sofrendo também com toda sorte de restrições impostas pelo conflito bélico, como falta de água e de comida, atendimento médico e deslocamentos para lugares outros longe de suas casas que, em muitos casos, não existem mais. Espíritos de porco da imprensa deram destaque unicamente ao equívoco do presidente, que comparou o que os israelenses estão fazendo com os palestinos com o Holocausto por eles sofrido a mando do nazista Adolf Hitler. Não, não há comparação. O Holocausto, que dizimou milhões de judeus e outros indivíduos tidos como inferiores e indesejáveis, é um dos capítulos mais infelizes e tenebrosos da História da humanidade. Não, não é um Holocausto o que Israel está promovendo na Palestina; mas é também algo profundamente cruel e desumano, de modo que a fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve sim um teor em parte equivocado, só em parte, porque na sua essência ele foi preciso ao destacar a brutalidade que tem vitimado tantas vidas de inocentes sob a justificativa de que é preciso caçar e exterminar os terroristas do Hamas que praticaram atrocidades contra israelenses. O Holocausto não fez desenvolver um sentido amplo de humanidade entre os judeus e sim a busca permanente de uma autodefesa  e ataque aos seus tantos inimigos que existem por aí.

Não é de hoje que os casos de maus tratos, abandono, abusos sexuais e infanticídio aparecem aqui e alhures nas crônicas policiais. O que aconteceu foi que como advento e a popularização das chamadas redes sociais, esses crimes ficaram mais evidentes porque textos e imagens passaram a chegar a um número de pessoas muito maior do que no tempo das mídias tradicionais. A instantaneidade, a rápida divulgação e o amplo alcance das redes sociais nos pôs em contato com flagrantes de crimes que muitas vezes se espalham antes mesmo de chegar aos veículos de imprensa.

Na Ilha de Itamaracá, a ilha-cidade da Região Metropolitana do Recife, onde eu moro, em menos de uma semana e no mesmo bairro, a Biquinha, ocorreram dois casos de infanticídio com igual modus operandi: homens invadiram duas casas e dispararam vários tiros: no sábado, dia 17, morreu um bebê de apenas nove meses de vida; e na noite de anteontem a vítima foi um garoto de 10 anos de idade. Os episódios deixaram ao menos parte da população assustada, porque os casos de assassinato na ilha-cidade têm sido frequentes e, ainda nesta semana que acaba hoje, circularam boatos de um toque de recolher no bairro Forte Orange, com direito a vídeo de um suposto delinquente que fala sem mostrar a cara, circulando pelo WhatsApp. Um terror. Um terror.

Nada justifica o assassinato de crianças. Os episódios de infanticídio ocorridos aqui na Ilha de Itamaracá revelaram quão desprotegidos estamos todos nós; desprotegidos e à mercê de criminosos que, impiedosos e cruéis, não fazem distinção entre os alvos que eles querem atingir e eliminar.

Dia após dia a Ilha de Itamaracá vem perdendo o status e o prestígio de outrora, tempo em que figurava como um lugar que era uma espécie de paraíso na Terra, com suas praias de águas quentes sempre convidativas para banhos demorados. Nos dias que correm - e  isso não é de hoje, tem um bom tempo já - ao fechamento de hotéis e pousadas, ao desmatamento de nacos da Mata Atlântica principalmente para dar lugar à construção de casas, ao desordenamento urbano e à sensação de abandono e inércia do poder público se juntou o poder corrosivo da bandidagem que controla o tráfico de drogas. E tudo isso é muito lamentável.

Não permitamos que a nossa quase indiferença ao enorme número de assassinatos que ocorrem diariamente aqui em Pernambuco faça com que encaremos o infanticídio como mais uma dessas ocorrências de mortes que parecem não nos dizer respeito. Não, repudiemos isso de modo veemente. Crianças são a nossa chance de redenção; elas são uma possibilidade de que, como cidadãs adultas, elas deem certo, já que nós fracassamos em muitas frentes.

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