9 de março de 2024

Personas urbanas (31)

 Por Sierra


I can buy myself flowers.

Write my name in the sand.

Talk to myself for hours

say things you don't understand [...]

Can love me better.

I can love me better, baby.   


                                                                 Flowers. Gregory Hein/Michael Ross/Miley Cyrus


Eu não faço escolha pela dor e nem pelo sofrimento. Na semana passada, num momento de mergulho do pensamento no mar interior de frustrações, eu chorei copiosamente. É muito ruim carregar frustrações consigo. Por isso é preciso, quando e sempre que for possível, recolher tais coisas que ficam mesmo que residualmente dentro de nós, colocá-las dentro de um saco e descartá-lo numa lixeira. Higiene corporal também é isso e não somente ir para debaixo de um chuveiro.

Faz pelo menos dez anos que eu ouvi um conhecido meu dizer que nós não devemos nunca e jamais fazer escolha pelo sofrimento, porque o sofrimento já vem sem o queiramos, já vem sem pedir licença para entrar na nossa vida, já vem sem receber convite para ficar bem junto de nós, já vem sem que nós precisemos pagar nada por ele, já vem sozinho e das mais variadas maneiras e formas, já vem, enfim, quando menos o esperamos.

Por mais óbvia que a não escolha pela dor e pelo sofrimento possa parecer, não é difícil encontrar por aí quem faça escolha justamente pelo sofrimento, como se a pessoa tivesse uma pré-disposição para isso. Por que escolher sofrer? Por que decidir por conta própria carregar uma cruz? Por que promover uma autoflagelação? Por que passar a vida apegado a sentimentos que só fazem deixar você triste e desconsolado? Por que se manter apegado a perguntas e a questionamentos para os quais você não encontra respostas e que, ainda por cima, martiriza você?

Ocasionais momentos de tristeza, como o que me acometeu dentro de um ônibus, quando eu saíra do trabalho e voltava para casa, na semana passada, são diferentes de um comportamento de quem fica o tempo todo remoendo uma situação e um acontecimento permanecendo num estado tristonho como se estivesse promovendo uma autopunição. Sim, eu sei, é claro que eu sei que não são poucas as pessoas que convivem diária e obrigatoriamente com indivíduos que as maltratam e que abusam delas física e psicologicamente. Eu também sei que não são poucos os indivíduos que já recorreram a tratamentos e terapias que não conseguiram livrá-los de traumas e sofrimentos indizíveis. Eu sei de tudo isso, porque também carrego comigo uma série de coisas ruins que deixaram no meu pensamento marcas indeléveis ao longo destes meus cinquenta anos de idade.

No entanto, eu não me deixo ser açoitado por essas coisas ruins que me aconteceram; e, quando algumas delas vem sorrateiramente para junto de mim, eu trato logo de espantá-las, porque não admito mais ser marionete e refém da dor e do sofrimento por escolha própria. Não admito mais isso e me recuso terminantemente a aceitar  que nós devemos sofrer para que possamos, em algum momento, desfrutarmos das maravilhas do gozo e da felicidade. Comigo não, violão. Comigo isso não funciona.

Do mesmo modo que me aborrecem tremendamente as pessoas derrotistas, eu não suporto o tipo que fica num chororô sem fim porque se mantém apegado à tristeza. Ah, seu marido arrumou outra e foi embora? Ora, trate de aprender a viver sem ele e de se apaixonar de novo, nem que seja por você mesmo, tipo Miley Cyrus cantando "Flowers" toda cheia de si, sabe? Teve uma perna amputada num grave acidente de moto? Em vez de ficar choramingando pelos cantos e dizendo que a sua vida acabou, considere seriamente a possibilidade de virar um atleta paralímpico e encher o seu peito de medalhas. Demitiram você no mês passado? Erga a cabeça e prepare-se para o desafio de sair em busca de outra oportunidade de trabalho; o que não dá é para passar o dia diante da TV ou agarrado ao telefone celular esperando que do nada , como num passe de mágica, apareça um emprego para você. Tirou nota baixa na escola? Pense que, talvez, o grande culpado por esse mau desempenho seja você mesmo e não a didática do seu professor; estude para aprender de verdade e melhore sua nota na próxima prova. Não conhece seu pai ou sua mãe biológicos ou nenhum dos dois? Criatura, você vai passar o resto dos seus dias procurando por eles é? Olhe para você. Você sobreviveu a essas ausências; você foi acolhido por alguém. Eu nunca sequer uma única vez perguntei a minha mãe quem é, que cor tem e nem qualquer outra coisa a respeito do cara que transou com ela e que a fez me colocar no mundo. Eu não quero saber dele; eu quero é saber de oferecer o melhor que eu puder  a minha mãe, que fez o que pôde para me criar. 

Ao longo de nossa existência nós iremos passar por uma série de obstáculos que exigirão de nós não somente esforço para superá-los, como também disposição para tratar de sermos resilientes a fracassos, perdas, desilusões, dores e sofrimentos. 

Caso você ainda não aprendeu, trate de aprender a fazer sempre do limão uma limonada. A vida é assim: por vezes difícil, por vezes desafiadora, por vezes desafiadora, por vezes triste e por vezes maravilhosa e gostosa como uma limonada.

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