28 de setembro de 2024

Dane-se o etarismo!

 Por Sierra


Autorretrato
A ideia de que nós 50+ somos uma massa de indivíduos que caminham para o descarte total é uma das certificações de que o nosso processo civilizatório falhou tremendamente nesse quesito


Semanas atrás eu comecei a postar em minhas redes sociais - Instagram e TikTok - e no meu canal no YouTube vídeos, com duração de até um minuto, nos quais eu aparecia numa academia de musculação. Em tais vídeos eu colocava a frase "Malhando pra continuar desejável" como um, digamos, título, e, embaixo, algum dito também com viés de greia, de arriação e de tirada de onda. Os "títulos" sempre se repetiam e os enunciados da parte inferior é que eram modificados.

É claro e óbvio que nem todo mundo é obrigado e/ou tem capacidade para compreender algo que foi dito e/ou escrito. E, nesses casos, é preciso, como se diz hoje em dia em tom de gozação, desenhar para ver se fulano, beltrano e sicrano, enfim, compreendam o que se quis realmente dizer.

Acontece que eu não tenho paciência para todas as vezes "desenhar" uma mensagem, porque eu compreendo que estou sendo bastante claro naquilo que eu tenho dito. Normalmente eu sou tão sutil quanto um elefante numa sala de estar; e, por isso, imagino que o que eu escrevi e/ou falei ficou evidente e compreensível. Só que não.

Dias atrás uma mulher comentou num desses vídeos - foi no que eu disse que, se a pessoa tinha intenção de "ficar" comigo, entrasse numa fila - que eu era um "sem noção" e que duvidava que fosse aparecer alguém disposto a querer dar uma "ficada" com este que vos escreve. A criatura errou feio o diagnóstico: eu não sou um "sem noção": eu tenho noções de mais.

Assim como essa comentadora do meu vídeo, outras pessoas, como diria o Rolando Lero, "não captaram a mensagem". O dito "Malhando pra continuar desejável" é uma pilhéria e uma provocação para todos aqueles que diariamente praticam cruel e desavergonhadamente alguma modalidade do perverso e desumano etarismo contra pessoas mais velhas. Tais pessoas não compreenderam que eu aparecia ali - e irei continuar aparecendo, vou logo avisando - nos vídeos, numa academia de musculação, um ambiente habitualmente frequentado por adolescentes e jovens adultos, dizendo que eu, um homem que tem 50 anos de idade, também posso frequentar um lugar como aquele; que o interesse pela busca de um corpo em forma não é uma exclusividade de adolescentes e jovens adultos; e que a minha presença ali era e é uma comprovação de que nós, adultos 50+, podemos e devemos manter um autocuidado com o corpo, por meio de atividades físicas, como quaisquer outras pessoas que possam fazê-lo com vistas a conservar uma boa saúde e desfrutar, inclusive, de uma necessária vida sexual, porque também a atividade sexual não é uma prática exclusiva de jovens adultos.

Você que está lendo este artigo deve saber que o etarismo - os termos idadismo e ageísmo significam a mesma coisa - não diz respeito somente aos mais velhos; ele também pode ser verificado com relação aos jovens. No entanto é em relação às pessoas mais velhas que esse tipo perverso de preconceito lança suas garras dilacerantes. É algo que tem sido visto com uma frequência e uma abrangência absurdas em todas as classes sociais. Famílias de todos os níveis socioeconômicos são flagradas - e o noticiário está repleto de casos dessa natureza, como deixa ver qualquer busca que se faça na internet a esse respeito - cometendo verdadeiras barbaridades contra os indivíduos mais velhos que, por vezes, coabitam com seus agressores.

Uma das práticas mais cruéis que se fazem contra os idosos é tratá-los como indivíduos que não servem mais, que estão com o prazo de validade vencendo e que já, já precisarão ser descartados, porque ninguém quer ter um inútil dentro de casa, alguém que só dá aperreio e trabalho. Muitas vezes são pessoas idosas que, com suas aposentadorias e benefícios, sustentam famílias inteiras; e, mesmo assim, eles não recebem o bom e merecido tratamento que deveriam receber. As opiniões deles já não valem nada. Eles não têm mais gosto e vontade. Não precisam renovar o guarda-roupas. A comida é só aquilo e pronto. Não podem mais ser levados para algum divertimento porque ninguém tem tempo nem disposição para ir a outro lugar com ele que não seja um hospital. Não deixam sequer que eles vejam a cor do dinheiro deles. E fica reservado para eles um quartinho lá no fundo da casa para que as visitas nem saibam que eles existem.

O envelhecimento por si mesmo não me atormenta. O que, às vezes, chega ao meu pensamento é a imagem de um idoso incapaz de reagir aos maus tratos que lhes são desferidos. Cair nas mãos de "cuidadores" malignos é o tipo de pesadelo que, eu imagino, apavora muitos velhos.

Eu não acredito que a nossa sociedade deixará, de uma hora para outra, de ser extremamente desumana para com os mais velhos. Porém, eu creio que em  algum momento nós iremos nos dar conta de que essa reserva de desumanidade desse etarismo infame nos animaliza mais e mais.

De minha parte eu vou batalhar e me esforçar como eu puder e enquanto eu puder para me ver longe das garras desses indivíduos que abominam a velhice. E vou continuar dizendo de onde me for possível dizer: DANE-SE O ETARISMO!

Contra o tempo eu não luto, porque ele nunca perde. Contra os preconceituosos eu luto, porque nem sempre eles vencem.

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