Por Sierra
Especialmente para Ezequiel Chaves Rondon, por causa do delicioso sabor do nosso encontro
A mim me parece que a alguns administradores de cidades detentoras de centros históricos faltam tanto a compreensão do valor e da importância que esses espaços têm dentro da evolução urbana dos lugares em que foram erguidos quanto o senso de zelo e de urgência de cuidados que tais núcleos e edificações requerem.
Quando eu me ponho a percorrer ruas e avenidas da parte de ocupação mais antiga de João Pessoa, capital da Paraíba, um território que eu conheço há muitos anos, constantemente eu me deparo com amontoados de ruínas ao lado de edificações que são bem cuidadas e que deixam ver o esplendor e a beleza de suas arquiteturas e feições.
No último dia 13 de novembro, à tarde, repetindo uma prática que eu venho repetindo quase todas as vezes que eu visito a capital paraibana, que é uma das cidades mais antigas do país, eu percorri diversos logradouros do seu centro histórico a fim de ver como andava o nível de destruição e de descaso para com a conservação do patrimônio histórico edificado existente ali. E sempre que eu empreendo tal jornada, de antemão eu alimento uma esperança de que, ao longo do percurso, eu hei de me deparar com pelo menos um caso, com pelo menos um bom exemplo de preservação desse patrimônio que me encherá de regozijo e que me fará acreditar, de modo entusiasmado, que nem tudo está perdido em meio a cenários de completo e total abandono dentro daquilo que eu chamo de autofagia urbana, que é como se a própria cidade se encarregasse de destruir a si mesma.
E assim eu fui seguindo por ali revendo recantos que me são tão familiares. E, ao longo da caminhada, misto de flânerie e jornada de mirada perscrutadora da morfologia das edificações, eu observei quadros lamentáveis de abandono do patrimônio edificado que demonstraram quão ineficaz ou quão ineficazes têm sido os discursos proclamadores da manutenção desse patrimônio como um capital verdadeiramente ativo para valorizar o status não apenas turístico da cidade, uma vez que tais imóveis fazem parte do traçado, da evolução, da História e da memória urbana da capital no lugar onde ela começou propriamente a existir.
A existência e a permanência de prédios em ruínas no centro histórico de João Pessoa - o antigo Hotel Luso-brasileiro é, seguramente, o caso mais aterrador -, ao longo de muitos anos, revelam ainda que o poder público não tem conseguido convencer os proprietários dos imóveis degradados - mesmo com o aparato e a força da lei - a promover ações de revitalização e reestabelecimento estrutural e funcional dos prédios, de modo que, no ritmo que vai a prática do abandonar e entregar à própria sorte o destino de tais edificações, nós iremos nos deparar com mais imóveis ingressando na lamentável e sombria zona da ruína total, que os levará a seguir numa marcha rumo ao desaparecimento do cenário urbano, como se esse fosse o seu verdadeiro e necessário destino.
Não compreendo por que, ainda que não tenham até agora conseguido convencer os proprietários dos imóveis abandonados e muito degradados a recuperá-los e revitalizá-los, as autoridades não consigam fazer nem com que os proprietários dos prédios deteriorados - vários sobrados, por exemplo - a, pelo menos, instalarem tapumes e/ou quaisquer outros meios de contenção que confiram alguma mínima segurança para as pessoas que circulam no entorno delas, como se essas construções, em risco iminente de queda - de novo o caso do Hotel Luso-brasileiro é o exemplo mais eloquente - não representassem um evidente perigo.
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Eis o que restou do Hotel Luso-brasileiro, na Cidade Baixa, no bairro do Varadouro, onde a cidade começou, e que pode desabar a qualquer momento |
Naquele dia, enquanto percorria diversos logradouros da parte mais antiga da cidade, eu revi edificações que estão há muitos anos abandonadas, bonitos sobrados que o desprezo e a falta de manutenção condenaram, tudo leva a crer, ao desaparecimento. Rua Duque de Caxias, Rua da Areia, Rua João Suassuna, Rua Barão do Triunfo... Edificações degradadas e deterioradas que nos dão um testemunho deveras pungente de sua vulnerabilidade frente às intempéries. Edificações cujas formas e desenhos nos dão lições não só de arquitetura e modos de construir bem como nos dizem da memória urbana que encerra todo aquele perímetro que engloba o bairro do Varadouro, na Cidade Baixa, e parte pertencente já à Cidade Alta.
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Em meio a ruínas e ao triste cenário de abandono, eis que, aqui e ali, eu me deparei com ações de revitalização e cuidado para com a conservação do patrimônio edificado que, mais uma vez, me fizeram acreditar, entusiasmado, que nem tudo ali está condenado ao desaparecimento.
Lá no comecinho da Rua da Areia - quando se toma o seu início a partir da Praça Antenor Navarro - um sobrado azulejado, de número 155, que vinha sofrendo com um grau tal de abandono que chegou a deixá-lo sem o telhado, será restaurado para abrigar um Ponto de Cultura, o Ateliê Multicultural Elioenai Gomes. Que coisa boa! É uma restauração com vistas a reocupar o prédio; e reocupar prédios de áreas de centros históricos é uma ação que pode trazer mais vida para o entorno e estimular que movimentos nesse sentido sejam replicados.
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Na Rua da Areia, uma das ruas mais icônicas do centro histórico da capital paraibana: este sobrado será restaurado para abrigar um Ponto de Cultura |
Noutro espaço da cidade, a grande área ocupada pelas praças Aristides Lobo e Pedro Américo e o seu entorno, onde se encontram algumas das edificações monumentais do perímetro do centro histórico, alguns trabalhos de revitalização do patrimônio edificado estão em andamento: o Teatro santa Rosa; o prédio onde estava instalado o comando-geral da Polícia Militar; e o grande edifício que abriga uma agência dos Correios. Ah, sim, eu já ia me esquecendo de dizer isto: estão também promovendo a readequação dos jardins daquelas duas praças.
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As praças Pedro Américo e Aristides e alguns prédios - este da foto separa as duas - do entorno estão sendo restaurados e revitalizados |
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Teatro Santa Rosa: equipamentos culturais costumam funcionar como ímãs, atraindo pessoas para os centros históricos |
Seguindo para a Cidade Alta eu me deparei com a Praça André Vidal de Negreiros, que é conhecida como Ponto de Cem Réis, cercada por um tapume, porque está passando por um processo de requalificação juntamente com a Rua Duque de Caxias, conforme foi descrito na placa que anuncia a obra.
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Praça André Vidal de Negreiros, conhecida como Ponto de Cem Réis: um dos mais populares espaços do centro histórico de João Pessoa |
Perto dali, na Praça João Pessoa, o majestoso prédio do governo estadual, o Palácio da Redenção, encontra-se, há meses, em processo de restauro e de adequação para abrigar o chamado Museu da História da Paraíba - a praça integra o circuito da Rua Duque de Caxias, onde belos sobrados estão há mais de dez anos abandonados.
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Na Praça João Pessoa, o Palácio da Redenção abrigará o Museu da História da Paraíba |
Quando eu passei pela Praça Rio Branco, um pequeno e aconchegante refúgio da Cidade Alta por conta de seu arvoredo que nos protege da intensa radiação solar - é lá que acontece o já tradicional e imperdível evento musical Sabadinho Bom -, eu fui surpreendido com o fato de que um grande prédio que iria passar por uma obra de restauração, conforme anunciava uma placa posta ali meses atrás, estava sem a tal placa e nenhuma obra em andamento. E, para completar o quadro lamentável que eu vi naquela praça, a fachada da edificação histórica que abriga uma superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) estava repleta de pichações fazendo par com um protesto de servidores da instituição exposto numa faixa que dizia assim: "Pela valorização dos servidores da cultura!".
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Na Praça Rio Branco: este belo prédio que, meses atrás, estava com placa anunciando a sua restauração, está novamente abandonado |
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Sede da Superintendência do Iphan |
Enquanto eu arrumava o que ia no meu pensamento em relação às ruínas e às ações de revitalização e de restauração de alguns exemplares do patrimônio histórico edificado de João Pessoa, eu me deixei levar pelas mãos da esperança e me pus a acreditar, repito, que nem tudo estava perdido por ali.
E eu fui seguindo rumo ao Parque Sólon de Lucena tomado pela luz do sol que ia se despedindo do dia naquele quase fim de tarde. Existem muitas cidades dentro de mim, eu sei, assim como algumas boas pessoas que eu encontrei ao longo dessa minha caminhada na vida. Anoiteceu. As fugazes e coloridas luzes dos enfeites de Natal começaram a iluminar o parque. E eu tomei outro destino, porque são muitos os caminhos por onde eu sigo.
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