7 de junho de 2025

No Museu do Artesanato Paraibano Janete Costa

 Por Sierra


Foto: Divulgação. As demais imagens são do Arquivo do Autor
Localizado no entorno da Praça da Independência, o Museu do Artesnato Paraibano Janete Costa é um primor de equipamento cultural que não só merece, ele precisa ser visitado e celebrado



Por que os museus?


Num conjunto de ensaios que tem um quê de muita provocação - eu diria que até de alguma iconoclastia -, o historiador e crítico de arte norte-americano Douglas Crimp fez uma série de considerações em particular sobre os museus, mas também a respeito de assuntos como fotografia e escultura. É preciso que eu diga logo aqui que uma das narrativas desse estudioso sobre o espaço museal não é nada apologética a tais instituições culturais. Muito pelo contrário. De modo que a epígrafe ácida de Theodor Adorno (1) aparece ali como uma espécie de alerta para com o que, doravante, o leitor irá se deparar no texto de Crimp.

Aqui e ali fazendo referências às obras Arqueologia do saber e Vigiar e punir, de Michel Foucault, Douglas Crimp nos disse que, além do hospício, da clínica e da prisão, "Existe uma outra instituição similar de confinamento à espera de uma análise arqueológica - o museu -, e uma outra disciplina - a história da arte", (2) que são, segundo ele, a pré-condição do discurso para aquilo que nós conhecemos como arte moderna.

As assertivas de Douglas Crimp me levaram a fazer estas indagações a mim mesmo no momento de eu começar a escrever este artigo: qual o papel dos museus no seio de uma sociedade, como a brasileira, na qual a ideia de aquisição de cultura é tomada, por muitos, como uma ambição e/ou exclusivismo das elites? Como pensar a existência de museus para um público que, de acordo com sucessivas pesquisas de avaliação do nível de leitura, nutre certo desprezo por algo mais simples e acessível, como os livros, que costumam ser e/ou podem ser portas de entradas para o despertar de interesses outros voltados para o mundo das artes e da cultura de modo amplo?

Em primeiro lugar, eu acredito, assim como Renato Almeida, que nós devemos ressaltar a importância do museu "pelo valor expositivo e igualmente como centro de estudo, classificação e documentação" (3); e que eu concordo com o entendimento de José Reginaldo Santos Gonçalves - na verdade,  eu concordo com certa reserva, porque aprendi com as pesquisas de Gilberto Freyre que um estudo pode fazer uso e recorrer a uma ampla variedade de testemunhos materiais e mesmo imateriais, como um depoimento oral - que afirmou que "Para um historiador moderno ou para um antropólogo, os textos falam mais e melhor do que os objetos" e que "Para um profissional de museu, a valorização recai nos objetos". (4) Em segundo lugar, eu avalio que, de maneira quase geral, faltam nos nossos meios culturais políticas de formação de público para que mais e mais pessoas coloquem os museus não somente como instituições de formação educacional/cultural, mas também como roteiros de passeios e viagens, porque, não raro, museus costumam ser espaços que apresentam uma gama variada de possibilidades de imersão, interação e aquisição de conhecimentos.


Visitando um museu


Considerando a minha formação acadêmica e os meus campos de interesses culturais em par com uma permanente vontade de saber e de conhecer, museus, galerias e congêneres estão sempre me chamando, digamos assim, para ir visitá-los. E assim foi que, na manhã do dia 15 de janeiro passado, estando hospedado na cidade do Conde, eu tomei um ônibus para ir curtir uma flânerie por João Pessoa; e, de um só bocado, eu passeei pela arborizadíssima Praça da Independência, que está localizada no bairro Tambiá, e visitei dois espaços museais situados no seu entorno: o Museu da Cidade de João Pessoa e o Museu do Artesanato Paraibano Janete Costa, um ao lado do outro, de modo que, num mesmo passeio você pode aproveitar duas importantes instituições culturais da capital paraibana.




Num artigo publicado neste blog, no último dia 25 de janeiro, eu disse de minha visita ao Museu da Cidade de João Pessoa. Hoje eu vou falar da ida ao Museu do Artesanato Paraibano Janete Costa.




Salve simpatia: o monitor Ewerton Queiroz que me recepcionou durante a visita: muito obrigado, camarada!




Como costuma ocorrer em várias unidades museais, também no Museu do Artesanato Paraibano Janete Costa (5) o prédio onde ele se encontra instalado  é por si só uma atração à parte. Trata-se de um elegante casarão, devidamente tombado, que diz muito da fisionomia urbana que marcava o cenário da área central da capital paraibana, a exemplo dos que ainda podemos ver pertinho dali, na Av.  Presidente Getúlio Vargas.







Acredito que, assim como eu, você que agora está lendo este artigo, deve ter ouvido, em alguma ocasião, alguém dizer assim diante de certas peças de artesanato: "Isso é uma verdadeira obra de arte!". Os que são iniciados nas tramas da estética e da história da arte sabemos que existe, nesses meios, uma discussão que procura diferenciar o que é arte do que é artesanato ou mesmo o que é artesanato do que é arte popular, por vezes entremeando tais discursos avaliativos recordando o que o filósofo alemão Walter Benjamin anotou no conhecidíssimo ensaio "A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica", no qual ele tratou da "perda de aura" das obras de arte, quando elas são reproduzidas. (6)







Num breve texto que escreveu para o catálogo bilíngue Artesanato e arte popular na Paraíba, o escritor, artista plástico, dramaturgo e professor de Estética, o inesquecível e saudoso mestre de mestres Ariano Suassuna disse assim:

O título escolhido para este catálogo é bom e preciso, porque, logo de começo, estabelece a indispensável distinção entre Artesanato, de um lado, e Arte popular, de outro: no primeiro, a utilidade do objeto tem que predominar sobre sua beleza; na segunda, acontece o contrário. Deve-se recordar, porém, que, às vezes, o mesmo objeto pertence aos dois campos. É o caso das cestas-de-mão tecidas e trançadas pelos brasileiros descendentes de índios: a atividade que cria a cesta, objeto útil, é um artesanato; mas a pintura abstrata ou figurativa que normalmente a decora, é uma arte [...]. (7)

Pode-se concordar ou não com as apreciações feitas por Ariano Suassuna e por outros estudiosos e críticos de arte. No entanto, o fato é que tais discussões não impedem que, para muita gente, artesanato seja visto como obra de arte.





Naquela luminosa manhã de janeiro eu fui recepcionado no Museu do Artesanato Paraibano Janete Costa por um muito simpático Ewerton Queiroz, que há vários anos trabalha como monitor naquele equipamento cultural que, além do prédio principal, abriga, na área que fica por trás do casarão, uma biblioteca, sala de exposições temporárias, lojinha, sala de reuniões e outras dependências que o tornam ainda mais atrativo.













Quando eu me vi imerso na primeira sala do museu, já ali eu me dei conta de que estava adentrando num espaço de preservação de memória muito bem cuidado. O encantamento dos meus olhos foi realmente tamanho. Eu fiquei impressionado, claro, com o rico e diverso acervo - peças feitas com os mais variados materiais, como madeira, tecido, argila, fibras, flandres, metais, etc. -, mas também - e muito - com o projeto museológico; com a disposição das peças; com as escolhas feitas no sentido de colocar tais e tais peças neste e não naquele espaço com o intuito de valorizá-las e melhorar a visualização delas; com a organização das obras ocupando harmonicamente as dependências do imóvel; com a luminosidade dos ambientes; e, sobretudo, com o muito bom estado geral de tudo que eu vi ali, porque, poucas vezes em minhas andanças por este país afora, visitando equipamentos culturais expositivos, eu me deparei com um museu onde o cuidado, o zelo e a competência para tornar o espaço não apenas atrativo e confortável como também enriquecedor como experiência cultural estivessem tão bem reunidos e alinhados. Simplesmente um primor.























Como eu costumo dizer quando conheço realidades exemplares de equipamentos culturais como o Museu do Artesanato Paraibano Janete Costa, nem tudo está perdido neste país que tantos acusam de não investir de modo apropriado e necessário para preservar e cuidar dos seus patrimônios artísticos e culturais e, por conseguinte, de não ter memória. O Museu do Artesanato Paraibano Janete Costa - eu quase ia usar aqui uma sigla: MAPJACO - é, de fato, uma feliz e imperdível atração para moradores e visitantes da capital paraibana.


Notas 


1- Eis a citação de Theodor Adorno extraída do ensaio "Valéry Proust Museum": "A palavra alemã museal [próprio de museu] traz à mente lembranças desagradáveis. Ela descreve objetos com os quais o observador já não mantém um relacionamento vital e que se encontram no processo de morte; devem a sua preservação mais ao respeito histórico que às necessidades do presente. Há mais do que uma ligação fonética entre museu e mausoléu. Os museus são jazigos de família das obras de arte". Apud Douglas Crimp. "Sobre as ruínas do museu". In Sobre as ruínas do museu, p. 41.

2 - Douglas Crimp. "Sobre as ruínas do museu". In Op. cit., p. 45.

3 - Renato Almeida. Inteligência do folclore, p. 260.

4 - José Reginaldo Santos Gonçalves. "Os museus e a cidade". In Regina Abreu e Mário Chagas (orgs.). Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos, p. 182. E completou: "Isso não quer dizer que os profissionais de museus não trabalhem com estruturas conceituais - o que seria um absurdo -, mas sim que a relação que o diferencia dos demais profissionais é essa relação sensível com os objetos".

5 - O museu foi inaugurado em 2005, pensado e ambientado pela arquiteta pernambucana Janete Costa. Após o falecimento da curadora, em 2008, o seu nome foi acrescentado ao da instituição, numa justa e merecida homenagem àquela que muito contribuiu para que o equipamento cultural se tornasse uma realidade. Tais informações constam no bonito folder do museu que é distribuído aos visitantes. Outra informação importante é que houve um tempo em que a instituição era denominada de Casa do Artista Popular.

6 - Walter Benjamin. "A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica". In Magia e técnica, arte e política. Disse-nos ele: "Em suma, o que é a aura? É uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja" (p. 170). A unicidade da obra de arte, ele destacou, é a sua aura (p. 171).

7 - Ariano Suassuna. Texto sem título. In Silvia Almeida de Oliveira Cunha Lima (coord.). Artesanato e arte popular na Paraíba, p. 9.


Referências e bibliografia


ABREU, Regina e CHAGAS, Mário (orgs.). Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2009.

ALMEIDA, Renato. Inteligência do folclore. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Americana; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1974.

BEJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da arte. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. 7ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

CRIMP, Douglas. Sobre as ruínas do museu. Trad. Fernando Santos. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

GONÇALVES, José Reginaldo dos Santos. "Os museus e a cidade" In ABREU, Regina e CHAGAS, Mário (orgs.). Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2009. pp. 171-186.

LIMA, Silvia Almeida de Oliveira Cunha (coord.). Artesanato e arte popular na Paraíba. João Pessoa: Fundação Casa de Pedro Américo/Gráfica Lyceu, 2007.

Museu do Artesanato Paraibano Janete Costa (folder).

SUASSUNA, Ariano. Texto sem título. In LIMA, Silvia Almeida de Oliveira Cunha (coord.). Artesanato e arte popular na Paraíba. João Pessoa: Fundação Casa de Pedro Américo/Gráfica Lyceu, 2007. p. 9.

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