11 de outubro de 2025

Arquitetura do abandono e do medo

 Por Sierra


Fotos: Arquivo do Autor
 Espalhados por vários bairros da cidade, os prédios inconclusos e abandonados são um dos aspectos mais medonhos e lamentáveis num universo urbano que, além de sofrer com o drama social do déficit habitacional, não tem cuidado devidamente também da proteção do acervo do patrimônio histórico edificado. São frentes distintas, mas que de alguma forma se complementam, porque elas dizem respeito à ocupação dos espaços da urbe


Como sequência de uma crônica de um desabamento anunciado, no último dia 25 de setembro foi noticiado, pela imprensa local, que parte de uma das paredes do Edifício 13 de Maio, localizado na Rua da União, no bairro da Boa Vista, área central do Recife, caiu. O prédio, que possui doze pavimentos, é uma construção inacabada - a vizinhança o chama de "Edifício Esqueleto" - e abandonada desde a década de 1960. Isso mesmo: faz mais de sessenta anos que o monstrengo de tijolo e concreto marca horrivelmente um cenário cujo entorno é ocupado por alguns dos prédios e logradouros mais icônicos da capital pernambucana, como o Palácio Joaquim Nabuco, o Parque 13 de Maio, o Ginásio Pernambucano, a Rua da Aurora e a própria Rua da União, que é celebrada no poema "Evocação do Recife", de Manuel Bandeira, poema esse que está completando 100 anos de sua primeira publicação: ele foi escrito sob encomenda de Gilberto Freyre para o Livro do Nordeste, que veio a lume em 1925, em homenagem ao centenário do Diario de Pernambuco.


Nesta e nas cinco fotos seguintes o Edifício 13 de Maio aparece visto a partir de diferentes logradouros do seu entorno











Como é que o poder público possibilita que uma estrutura como aquela, que está abandonada e sendo carcomida pelas intempéries há tanto tempo e, por conseguinte, se deteriorando a ponto de ruir a qualquer momento, com consequências que poderão ser gravíssimas, permaneça de pé? Por que aquele prédio ainda não foi demolido?


Prédio abandonado do INSS localizado na Avenida Dantas Barreto. Por que edificações, como esta, não são transformadas em moradias para a população?


Sabe-se que a Prefeitura Municipal do Recife conseguiu, há quatro anos, autorização judicial para demolir o prédio; só que até agora isso não aconteceu.


Nesta e nas duas fotos seguintes aparece o edíficio que ocupa um terreno que começa na Rua Siqueira Campos e vai até a Rua da Roda








O caso do do Edifício 13 de Maio não é o único numa cidade que, além de prédios inacabados - só para ficarmos em mais dois exemplos: existem, há décadas, um prédio que vai da Rua Siqueira Campos até a Rua da Roda; e um em plena Avenida Agamenon Magalhães -, possui dezenas de edificações que, embora estejam concluídas, se encontram igualmente abandonadas total ou parcialmente, sendo que várias delas fazem parte do patrimônio histórico edificado do Recife, como, por exemplo, o imponente sobrado da Rua do Bom Jesus e o conjunto da Rua 1º de Março.


Nesta e nas três fotos seguintes aparece o edifício abandonado que fica às margens da Avenida Agamenon Magalhães









Numa realidade de déficit habitacional e mudanças drásticas no modo de consumo das famílias, que levou muitos a não mais irem para o comércio dos centros das grandes cidades brasileiras, provocando o esvaziamento de ruas e, por conseguinte, o fechamento de inúmeros estabelecimentos comerciais, a existência de prédios desocupados nessas áreas só tem crescido nos últimos anos. É uma realidade que eu já constatei, in loco, em cidades como Rio de Janeiro, Belém, São Luís, João Pessoa, Manaus e Natal. E, diante dessa realidade, a mim me parece que revitalizar e reocupar os espaços centrais dessas cidades, que geralmente são os perímetros onde se encontram as suas construções mais antigas, passa necessariamente por uma gentrificação, por uma modalidade de gentrificação, digamos assim, que não seja elitista e que consiga atrair moradores para esses centros para, quem sabe assim, eles consigam novamente se tornar territórios pulsantes e dinâmicos dentro do quadro socioeconômico, deixando para trás a pecha de lugares indesejáveis, malquistos e que devem ser evitados.


Nesta e nas duas fotos seguintes podemos ver o conjunto de sobrados antigos da Rua 1º de Março







Não acredito que existam fórmulas fáceis que possibilitem mudanças drásticas e repentinas no que diz respeito ao convívio e à interação com espaços e equipamentos urbanos. Sim, pode-se em pouco tempo se modificar completamente uma estrutura física, um prédio, uma rua ou uma praça; só que isso não é garantia de que tais modificações e alterações provocarão naturalmente uma mudança de convívio com eles, porque o caráter orgânico de uma cidade, o modo ou os modos como os seus habitantes e outrem interagem com ela não depende tão somente de suas feições estruturais; muitos procuram determinadas urbes pelo que nelas existe para a dinâmica das coisas da vida prática; mas também há uma busca pelo algo mais, que vai desde a segurança pública, passa pelos serviços de saúde e chegam às possibilidades de lazer e de entretenimento.


Localizado em plena Rua do Bom Jesus, um dos cartões-postais mais divulgados do Recife, este sobrado está há anos em completo estado de abandono e sem nenhuma proteção contra possíveis desabamentos de partes de sua fachada ou dele como um todo


Vejo na arquitetura do abandono e do medo, que marca as feições de nossas grandes cidades, um retrato do fracasso do nosso Urbanismo e das políticas de promoção da manutenção do que é vital para que certos bairros da cidade - sobretudo os seus territórios de existência mais antiga - consigam se manter realmente dinâmicos e pulsantes como espaços atrativos e interessantes. Prédio abandonados - quer os não concluídos, quer os demais - denotam que, de alguma maneira, as cidades que os encerrarm não aprenderam real e efetivamente a cuidar de si e nem de seus habitantes.

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