Dentro das esferas política
e ideológica, via de regra, costuma-se olhar de soslaio para todo e qualquer
artista que se manifeste como simpatizante e/ou militante das hostes
direitistas. Isso porque sendo a arte, em tese, fruto e expressão da liberdade
humana por excelência, não se compreende e/ou não se aceita que um artista de
fato possa militar sob uma ordem política constituída que historicamente sempre
ou quase sempre se empenha em pôr amarras e cercear as manifestações artísticas
por temer, sobretudo, o seu caráter transgressor e contestador, fundamento esse
tomado como elemento perigosíssimo em regimes ditos conservadores e/ou autoritários
que se esforçam diuturna e por vezes violenta e covardemente para impor suas
visões limitadas de mundo. Sob regimes dessa natureza a arte como expressão
máxima da liberdade não é aceita porque é tomada não somente como opositora mas
também e principalmente como ameaça ao status
quo. Daí por que, se valendo de restrições de toda ordem – quando não
perseguições sem disfarce algum -, tais mandatários tratam de sufocar,
enfraquecer, deturpar, atacar e mesmo eliminar esses artistas “esquerdistas”,
desde logo apresentados como “inimigos do povo” e dos valores morais,
religiosos e da família.
Acontece que ser de direita,
de esquerda ou de qualquer outro terreno ideológico e político não é apenas uma
condição de liberdade de escolha; é, acredito, uma condição de liberdade de
existência. As posições que assumimos frente à vida, tomando-nos como elementos
constituintes de uma grande ordem social, eu acredito que tenham, todas elas,
um arcabouço político no sentido de que somos por natureza seres políticos, uma
vez que, tomados por consciência de ser e de estar, costumamos, de alguma
forma, discutir, planejar e construir o papel que queremos desempenhar dentro
da sociedade ao longo de toda nossa vida.
Considerando a manifestação que anos atrás ela fez contra a possível chegada do líder do Partido dos Trabalhadores ao Palácio do Planalto e o apoio que ela passou a dar ao então candidato e atual presidente
da República Jair Bolsonaro, não foi para mim uma surpresa o fato de a atriz
Regina Duarte ter aceitado, nesta semana, assumir a chefia da Secretaria da Cultura. Surpresa não me causou, como eu disse; o que me tomou foi um misto de desencanto e de lamento ao constatar que, muito mais do que defender um sujeito da
estirpe desse senhor Jair Bolsonaro, a talentosa Regina Duarte aceitou tomar
parte num governo declaradamente inimigo da liberdade de expressão, em geral, e
artística e de imprensa, em particular, e, ainda por cima, misógino, homofóbico,
desrespeitador, sem bagagem cultural, autoritário e mentecapto.
Apesar de seu enorme talento
e carisma, duvido que a atriz Regina Duarte teria alcançado a fama e a condição
de ser uma das principais estrelas da teledramaturgia nacional que alcançou, se
ela não fosse há décadas uma contratada da Rede Globo, onde protagonizou
produções e encarnou personagens para mim muito marcantes, como a Viúva Porcina,
da novela Roque Santeiro, e a Raquel de
Vale tudo, só para ficar em duas de
suas memoráveis atuações. Pois também sabendo que o senhor Jair Bolsonaro é um
ferrenho e obstinado opositor da Rede Globo, à qual já ameaçou até de cancelar
sua concessão como canal de TV, Regina Duarte se meteu num governo desse
quilate, o que me levou a crer que ela desprezou completamente a história
vitoriosa que ela vivenciou na emissora da família Marinho e esqueceu que ela é
uma artista, essencialmente uma grande artista.
Admiro muitíssimo quem tem
coragem de dar a cara à tapa. Na minha memória afetiva Viúva Porcina e Raquel
continuarão guardadas e sendo louvadas. Respeito a escolha feita pela senhora
Regina Duarte, mas desde já torço para que ela caia em si e se dê conta de que,
apesar do enredo algo novelesco desse governo que mistura tragicomédia com
porções descomunais de vilania e perversidade, Jair Bolsonaro, seus filhos e
seguidores e Brasília não são elementos de nenhuma dramaturgia; são, isso sim,
personagens e cenário de uma realidade doentia, retrógrada, selvagem, estúpida e
covarde. Penso, Regina Duarte, que, mesmo com toda a sua experiência artística –
frise-se isso, artística -, a senhora escolheu representar nesta altura de sua
vida, aquele que, eu não tenho dúvida, será seguramente o seu pior papel. Que lástima!
Atenção, Regina! Gravando.
Não tenho palavras a expressar senão, ridícula.
ResponderExcluir